Friday, May 29, 2009

Fôlego




Despir-se das palavras de suor e agonias
e as ânsias carbônicas das ruas insalubres
para dar à luz...o vento.

Cortar os cabelos e mechas que cobrem a visão
que pesam e que têm que ser penteados
para dar passagem ao... ar.

Largar a mala no ponto de ônibus e
sentir os ombros ardendo pela lembrança do pesar
para dar lugar à... brisa.

Deixar as moedas e os papéis na praia
os fios e vestes, mantos de mau gosto
para caminhar até o farol no...céu.

Oratório





O cello deita-se de lado
A cadeira senta-se no entardecer
Pássaros que cantam chuva partem
nuvens que escondem estrelas.
O cello recostado ao solo
O arco pousado no colo
O gato aos pés do cello
Um pão assa no forno
Uma taça de vinho aguarda.

Pés nus roçam a madeira.
Mãos soltas sobre a mesa
fingem segurar a taça.
O cello espera mal adormecendo
Madeira e vinho e pão
sol e nuvem e chuva distante
pássaros e assobio dos ventos.

Olhos através da tarde
para além de estradas
e sob o véu de jovens estrelas
Olhos contra a lua que nasce
O cello sonha imóvel
com longas rapsódias e suspiros.
O gato estica os músculos
enquanto o pão perfuma a madeira
e vai pela janela um suspiro.

Sussurro dentro da noite que chega
de viagem ao redor do mundo.
Noite que beija o cello
noite que acaricia o gato
noite que entra no vinho
noite cobre de mantos anis
as cabeças de todos os seres,
taças, pães, gatos, mãos e instrumentos.

Sunday, May 24, 2009

Destino





Estradas, muitas de asfalto entre árvores
outras estradas, sob estrelas, entre morros e descampados.
Vejo com pálpebras fechadas carros, e aviões, e outros veículos de metal.
Escondem-se insetos azuis e verdes sob pedras nas margens
e no fim há um cais, e um grande rio.

No tempo futuro, imagens do passado feitas em cristal
flutuam alheias à aproximação do presente e ao medo.
No passado, líquidas, as flores e fantasmas sobrevoam caminhos
tornando-se um e outro e confundindo planos de grandeza
criando novas paisagens, gerando e aniquilando pânicos, tristezas,
e as alegrias parecem meras guloseimas e brinquedos de plástico.

Mas o que será o que serei não está aqui. Há muitas florestas e cerrados
e não se pode caminhar pelas calçadas torpes das esquinas de domingo
onde se deitam os embriagados mal-vestidos e mórbidos de calor
com suas canções antigas e seus jargões das décadas de ilusões passadas.
Nem posso sentar-me nos degraus dos templos do saber e desejar as louças
e jóias mais brilhantes nas cabeças dos sacerdotes
como fazem meus pares, desejando em silêncio, posando de monges
e ardendo em terríveis e infelizes ambições de glórias preditas.
Meu destino está no mapa que o deus com cabeça de gato engoliu enquanto se afogava
no pequeno mar atrás do cemitério de crianças depois da clareira.
Minha rota de viagem é conhecida apenas pelos deuses mortos, assim não posso consultá-los
e mais ninguém nesta terra poderá me contar que pertences posso levar, que barca tomar,
ou se vou chegar, onde, quando, e o que vou encontrar lá.

Mas todos os dias leio nos olhos do gato, e no último raio do crepúsculo
uma mensagem urgente, uma voz que agoniza e um braço que brande um metal
e clama em meu coração, sussurrando, que parta já, e não olhe para os lados.

Não posso contar a ninguém. Partirei de madrugada.
E quando todos despertarem, estarei conversando com o vento.

Thursday, May 21, 2009

Fantasmas





O amor é um espectro.
Por ele move-se o mundo
e o que é belo canta.
Mas para o amor não há esperança
de materialidade, de existir como flor
que se abre e recebe o sol com seu calor.
O amor só vive na penumbra da noite
e se vai quando a luz da alvorada desce.
O amor teme a luz, respira sofregamente entre sombras.

Para o amor há apenas gargalhadas ao meio-dia
hora em que cheiros vulgares e dentes podres governam.
Para o amor há apenas humilhações e hálitos fedidos
de bocas que soletram: vai pagar? Senão, dê o fora, pé-rapado.

Para o amor não há esperança de cores douradas e sonhos vermelhos
há apenas as lentas danças de véus negros e azuis, e brancos de lua
para o amor não há esperança de vida, há apenas a morte.
Quem acredita no amor, deve viver durante as noites
e reservar sua garrafa de vinho, e suas velas.
O amor respira entre as sombras apenas.

Saturday, May 16, 2009

Hoje escreverei o melhor poema da minha vida




Fui acoradada pelo lilás chuvoso da manhã
após uma noite afogada em nenúfares e ventos
Levantei-me decidida a retirar-me do pântano, levando minhas armas
deixado as pedras fumegantes, e cinzas fedidas
onde não tive, entretanto, direito ao pão.

Escreveram num muro do subúrbio:
"Vivos, somos presos, torturados, esquecidos
Mortos, só deixamos saudade."
Escreveram na esquina às 6 da manhã.

Hoje acordei decidida a calçar botas longas
e subir o rochedo, pois meus pés pisaram no cascalho
em em espinhos finíssimos brancos.
Encontrei arqueiros à distância,
ensinaram-me a arte da defesa.
Enquanto no fim da tarde de ontem
ouvi vozes de feiticeiras no crepúsculo que,
como os felinos, adormecem e banqueteiam-se sobre a solidão.
Suas vozes nos aconselham sobre a madrugada
e contra-feitiços que evitassem os gemidos
dos atropelados e mortos-vivos da estrada.

Levo minhas armas, carrego meu fumo,
minha garrafa azul, meu livro de memórias.
Com a espada, arranco páginas do livro.
Com a garrafa, adormeço e mancho páginas.
Com o fumo, escrevo novos poemas.
Fecho-o, e percebo que já é manhã,
entre mantras que a terra sussurra aos céus.

Hoje percebi que é chegado o dia
da noite em que escreverei meu melhor poema.
Poema sem adeuses, nem vãs esperanças
sem cantigas de roda, sem auspícios de cartas
sem grandes paixões nem lágrimas.
Será um poema sem vitórias de heróis
em campos abertos diante de muradas e passadiços.
Será um poema sem lamentos pelos perdedores.
Um poema sem carinhos e desejos de orquídeas negras,
sem alfazemas, sem vinho, sem estrelas.
O melhor poema, sem maldições, sem violações.

Será um poema que não foi jamais escrito.

Friday, May 15, 2009

Hora na rodovia





E na madrugada, entre pequenos morros
que parecem não pertencer a este mundo
Chega a hora em que nem os felinos estão à espreita
pois ainda é cedo, sombras de fantasmas
aterrorizam os mais sutis instintos.
É a hora em que a rodovia parece mais longa e sem acostamentos.
E parece que ouço uns gemidos de tristeza à beira dela
e uns vultos de atropelados que foram abandonados
parecem arrastar-se e tentar agarrar as rodas do carro.

A hora em que a água está escura, e não há ventos.
É a hora em que um drink numa espelunca seria um consolo
e quem sabe uma caneta e papel, pois conversas seriam fortuna
entre túmulos e esqueletos recostados nas capelas.

Hora em que o silêncio é asfixiante
como uma serpente que se enrosca à volta do tempo
e sentimos seu aperto em nossas nucas
Hora em que morremos, hora em que lutamos corajosos
contra o pueril adormecimento.

Poetas





Poetas gostam de sal
Poetas gostam de cigarro e álcool
gostam de flores e insetos que se escondem
entre rachaduras nas paredes
Será que poetas realmente amam?

Poetas têm cores favoritas?
Seguem seriados e novelas com ansiedade infantil deixando de atender o telefone?
Poetas jogam videogame e dançam ao som de heavy metal sacudindo os cabelos?
Poetas caminham pelo shopping contando dinheiro
e sonhando em gastar seu limite de crédito em roupas
para darem a impressão de serem elegantes pessoas
alheias blasés e cheias de sex-appeal pervertido?


Poetas gostam também de chuva e bancos de praças e gatos de rua.
Poetas dormem com as nuvens nos olhos e as luzes do subúrbio de madrugada.
No entando, aposto como também choram de coração partido contra a parede
ouvindo uma música com acordes previsíveis em tons menores
que surgem na hora exata do pensamento triste em alguma rádio decadente.

Poetas gostam de velas e luzes fracas, e ver seus reflexos
nos vidros das taças de vinho e copos de whiskey sem gelo.
Poetas gostam de ventos e carros na estrada, e também
de pin-ups dirigindo conversíveis e samurais com espadas em riste.

Poetas têm cores favoritas e travesseiros favoritos
Poetas cantam para todos desde que eles os abandonem
Desde que não os amemos, os poetas abrem asas e tomam céus vazios.

Wednesday, May 13, 2009

Perguntaram-me desde quando sou outsider






Desde que eu tinha uns 5 anos e entrei no jardim... tudo o que eu fazia era diferente. Além de ser nerd e tímida, o que já me jogava numa ingrata posição entre a garotada. Cresci assim. Aos 16, descobri certas perspectivas que mudaram a minha maneira de escrever poesia. Isolei-me ainda mais. Enveredei para a matemática, mas sempre apaixonada por música diferente, gostos diferentes para tudo. Nomeu primeiro ano de graduação, eu andava pelo campus da Universidade com uma calça super larga de tecido que parecia linho e bolsos atrás... era do meu pai. Um dia, uma menina super "prafrentex" que se dizia alternativa pensou que eu tb tava querendo me exibir pra mostrar o quanto eu era alternativa e me falou: pô, amei essa sua calça... tem bolso atrás, muito diferente! Eu falei que era do meu pai e eu usava porque tava sem grana e a calça era maneira. Ela deve ter pensado que eu era lésbica ou algo assim...:P
Hoje sou vegetariana, curto Joni Mitchell, leio Thoreau e estou começando a estudar o cello... tudo me joga pro escanteio social. Mas eu gosto assim.

Monday, May 11, 2009

Canção ao Cigano








Deliram as carnívoras urtigas
E zune no corpo o sopro do vento
- Errante, dedica-me uma oração,
que ciciando na pele ausente
vibra o vermelho cobre do amor.

E essa chuva, que traz ao mundo
Um sonho de ovo afogado,
Essa chuva que nina os demônios
Atormentadores sem pudor
- Viajante, recita meu nome
uma só vez em teus estribilhos.

Sou uma corda muito esticada
Ao frio do inverno exposta.
Malditas cravelhas impiedosas.
- Belo cigano, toca-me uma romanza
Que te dou estas romãs
Na chuva recém-colhidas.
Bem aventurados os que
Se sentam na chuva, esperando.