Friday, April 09, 2010

Batismo felino


Necessito de um poema ambulante,
o qual eu possa levar comigo quando tomar a barca Rio-Niterói.
Suportar aquele tédio pequeno, aquela pobreza na baía, por sobre o pequeno mar.

Hoje acredito ter encontrado uma maçaneta perdida.
Não me lembrava de que existia essa porta para um quintal úmido,
onde há musgos e cogumelos amargos, florezinhas enlouquecidas
e córregos de chuva nas canaletas entre as pedrinhas que os gatos usam para brincar.

Hoje retorno ao meu elemento.

Não falo com qualquer pessoa. Não é preciso, e elas
não compreenderiam. Como os felinos compreendem
com seus olhos em chamas no escuro.
O gato olha o espelho curioso, mas não falo com ele, não reage, não luta.
Não falo com os passantes nem com as pessoas da casa.
Sempre estive em silêncio como aquele quadro
no canto esquerdo da balaustrada, do menino que morreu na guerra
de 1914 e hoje é tio-tataravô de alguma criança gulosa e cruel.
Mas hoje estou em silêncio como o gato que mora no telhado do sótão.

Hoje retorno ao meu elemento e há somente engrenagens,
música, vento, linhas suaves, cardióides, e um par de botas.
Não levo guarda-chuvas, pois isto é para homenzinhos que vão para o trabalho
às seis horas da manhã no inverno, se encolhendo sob marquises
quais luzinhas esfumaçadas.

Hoje sei quem sou, hoje não faço concessões aos grupos felizes ou patrões corretos.
Não pago impostos ao Estado, este velho flatulento.
Hoje retorno ao meu elemento.
Reúno-me com os gatinhos nos telhados nas noites sem lua,
e faço desjejum com os grandes felinos à sombra da jasmineira nas manhãs de primavera.