Tuesday, June 08, 2010

A virada da maré




Se não possuíssem bocas para descrever
e julgar as cores dos céus com tanta veemência
teriam mais tempo para perceber a virada da maré,
as ondas se levantando mais alto, as gaivotas se apressando
antes da noite com seu véu de negrura e frio.
O frio da madrugada e seu silêncio que embalam a ante-sala do fim.

Não percebem, não ouvem os homens tolos,
não vêem as mulheres fúteis, as crianças barulhentas.
A grande tragédia que se abate sobre o povoado,
a enorme onda que avança, a chuva que antecipa a escuridão
e a tempestade que caçará pássaros, crianças e vagalumes.

Mas a virada da maré é planejada pelos deuses,
e eles não podem duvidar do que fazem.
Deuses não hesitam nem agem por capricho.
Amanhã o sol cantará sobre nuvens brancas
vestindo o manto de lágrimas derramadas em noites de terror
e será belo, será alto, será real.

Haverá festa e champanhe, pessoas e vestidos finos,
luvas e cigarrilhas, enquanto crianças riem do lado de fora
atrás de um cão que persegue uma bola.
E estrelas marinhas repousarão sobre as copas de jasmineiras
e mangueiras, trazidas pelo mar furioso.
Reluzindo por sobre as cabeças dos bebês
e dos violoncelistas que farão música para reis.

Não ouvem que precisam reparar na virada da maré
o ponto onde tudo se perde, amigos, falsos amores,
tristes lembranças, risadas e desejos brutos,
fazem troça e posam de grandes enquanto a maré se transforma
enquanto revira os olhos, num delírio quase funéreo
de nuvens que anunciam um certo apocalipse, e pássaros partem.