para N
Olhei em meus papéis em baús e guardados
sem importância, sem cuidados especiais,
e percebi que tenho negligenciado os símbolos
das coisas que passam como fantasmas suaves
entre árvores, com claras vestes e mantas,
com olhos semicerrados e sorrisos contidos.
Mas hoje não, hoje cuidarei deles
porque você me inspira, estendendo às minhas mãos
a taça com água límpida e pedras verdes no fundo do vidro.
Nos olhos uma ternura que sempre esteve na roda de ciranda
que estava na janela semi-aberta, no vaso de crisântemos
na lâmpada queimada, na xícara de cerâmica, no algodão da roupa.
Aquieto-me e olho teu rosto na meia-luz. Não estranho o verde
nem o perfil de quem me esperava no cais, desde que parti
não lembro mais quando. Há muitos anos, parece-me.
Nesse silêncio não procuro os caminhos mais complicados
como era de se esperar de alguém cujo coração
teme sua própria crosta vermelha e seus músculos brutos.
Fica aqui em meu colo o arranjo de plantas amorosas.
Fica também o adormecimento que sorri nos barcos de quem pesca
numa tarde como essa, num lago entre montes verdes, e dormita
e pesca e dormita e cantarola, e aspira e vê libélulas
que põem seus ovos sobre a face limpa da água violeta, e que se vão
antes que eu tenha tempo de edificar um pensamento sóbrio
para ordenar não no tempo, mas num espaço próprio, olhos, boca,
perfume, palavras, presença, sonhos instantâneos.
A lagoa e as libélulas, o perfume e o pequenos cantos entre lábios.
É esta a voz que me traz um sonho que tive em menina
e do qual lembro-me agora que as libélulas dançam no espelho.