Friday, April 08, 2011

Do perigo e seus humores



Diziam os antigos românticos
que os poetas eram nascidos das tempestades.

Sei por que flerto com o perigo.
Sei como prefiro o oceano noturno às flores do campo.

Não devo me lamentar se algum desses homens com quem ando
se mostrarem piratas desumanos ou anjos caídos carregando foices infernais.

Andei com Jesse James e seu bando, jantei com Lampião e seus devotos.
Flerto com as estrelas refletidas no esgoto e com a música do violinista mendicante.

Liberdade, amada mão, mas insidiosa bruxa que cozinha vapores intoxicantes
Sem enganos, sem política e sem moral, apenas uma canção e uma palheta.

Flerto com o erro, com o abismo, com o silêncio dos becos,
e assisto a danças macabras enquanto o amor se contorce sob a lua.

Sunday, April 03, 2011

Cântico MCXXV




Num espaço de água e ar
está a alma enclausurada.

Quando olho para a rua suja
vejo o tempo que se deitou nela
e esqueceu-se da morte.
Agora é tarde para recuperar-se
da velhice do próprio tempo.

Mas nesta mesma rua escura e triste
tenho a visita breve de um desconhecido.
O coração revolve-se dentro da poeira dos dias,
e lava-se da lama das noites em pântanos de pesadelo.

Eu que nunca soube dizer sim.
Eu, que nunca soube desfazer-me do medo e
do medo da tristeza, mesmo entre lírios e lilases.
Agora corro para estar na hora exata em que chegas
e olhar-te de soslaio a olhar-me como quem também teme.

Nem respiro, para que o momento não se vá.
Pois é sabido que o tempo é o fôlego
que inspiramos e que deixamos escapar.
O tempo futuro é o ar da tua boca que beijarei,
e o passado é o estertor do gozo que teremos
numa noite sem lua numa clareira abandonada pelo próprio Deus.