Tuesday, April 14, 2015

O ogro na biblioteca




O ogro senta-se majestoso
sobre uma pilha de livros modernos,
descomunal, triunfal, grandiosa é sua pança de ar.
Flui em seu sangue fogo-fátuo
e seu suor expele pequenas águas-vivas.

O ogro sonha em ser um príncipe. Crê ser um diplomata.
Suas enormes mãos derrubam comida sobre os livros,
ele diz que não precisa mais deles para conjurar fórmulas e feitiços.

O ogro afasta as borboletas com seu hálito nauseante.
Esbraveja ao mundo que são as borboletas as débeis
doentias, vulneráveis, um gasto ineficiente da Natureza.

O ogro urra longos discursos intercalados
com sons de gases e frases estrangeiras.
"Whatever, dude", "ah bon? Mais oui."
O ogro reúne um séquito de bajuladores,
lagartas mal formadas e sapos coaxadores.

De volta à Planolândia


Encharcada até os ossos
do pálido drinque industrializado
comprado em módicas garrafas
no mercado da esquina.

Fadiga de gente que diz "bom dia".
Fadiga de gente que aceita qualquer almoço,
qualquer cama para dormir, e  se crêem barões.
Multidão que adora clichês como deuses em frascos,
e se crêem poetas cegos e pitonisas.
Fadiga de gente que é bastarda na alma,
e farta nos talões de cheque.

Cansada de gente que gosta de qualquer livro,
que adora qualquer música,
que se empolga com qualquer filme,
e toda expressão congelada é uma obra de arte.

Pequena  elite pequeno-burguesa, sem senso crítico.
Farta desses olhos amarelados
dentro de carros parados no engarrafamento.
Gente que ostenta o copo de café do Starbucks
ou a viagem à praia no fim de semana
como o banquete no Olimpo.

Farta de mediocridade das fanfictions,
da pobreza vocabular e de suas trivialidades grosseiras.
Hipsters que se tomam por trágicos dândis
e adolescentes que brincam de sarcasmo.
Farta de homenzinhos mentirosos e
falsos sedutores fedendo a artifícios,
nauseada de falsos amigos que sempre têm uma carta na manga.

Fadiga dos burguesinhos bastardos na alma
e obesos nos cartões de crédito.

Classe purulenta a da gente que aceita e aprecia tudo sem questionar
e se crê bem-sucedida em seus início-meio-fins.