Saturday, February 20, 2010

Malbec




Sou um poema.

Deixo o lastro roxo nos cantos do mundo
no lábios do mundo, nas curvas do mar
do vinho que ainda desliza pela garganta.

Autrália, Argentina. Uma distância cumprida
no toque de um compasso entre bocas semicerradas.
Deixo o lastro lírico violeta chorando seus álcoois
na vidraça das taças e dos olhos que evito no sonho
e reencontro no desejo da madrugada.

Lúcida mágica de lamparinas e traços nas mãos
que designam destinos superiores.
Somos livres, somos poemas, e nada pode impedir
o encontro dos rios e a navegação por animais rebeldes.
Num compasso ternário danço a distância
entre continentes, roxa, lilás, azul-marinha.

É a voz do romance, no corpo do vinho,
um romance para violoncelo, à luz de uma noite que não termina.

Sunday, February 14, 2010

Encontro

"Die Jungfrau", Gustav Klimt.


Os poetas escrevem cartas para os anjos.

Numa noite, os lábios criaram cristais na opressão do escuro.
O desejo explodiu por cima das flores,
das taças de vinhos e trumpetes
como chuva de exuberância, suco de tangerinas e estrelas cadentes.

Encontros que celebramos. Cantamos.
Flautas, violoncelos, baterias e guitarras, claves e um beijo.
Vejo os caramujos e cigarras entre as folhas do aquário
zunindo orações esquecidas que agora retornam
como um refluxo de correntes quentes e frias, formando erupções marinhas.

Uma festa de frutas e luzes baixas de cores maliciosas,
com intromissões do flugelhorn e de um contrabaixo ligeiro.
No centro do tornado, não há paz -
esquece-se o tornado vendo-o, em estupefação.

Os deuses em orgasmo geram uma sequência de catástrofes
belas e sinuosas, lápis-lazúli num véu sobre o sangue do mundo.
Festas de cetim e vinhos que terminam em estertores de amor
na noite de um verão concebido pela música de titãs luminosos.

Assim os poetas terminam seus relatos aos anjos.

Thursday, February 04, 2010

Florbela




Todos me amam.. e no entanto nenhum indivíduo
me escreve poemas ou cartas, não me trazem as glórias da manhã.
Que espécie de adoração falsa e pequeno-burguesa.
Amam-me como a uma deusa, porque têm de amar,
inevitavelmente, não porque o querem. Mentirosos.

Que amores a admirações são estas que me separam
da doçura e do calor do lar e das fogueiras dos amigos sob a lua?
Que me postam em altares onde
sacrificaram cordeiros e restam frios restos de vela,
onde apenas a lua colhe as lágrimas agridoces
de quando me trazem água benta por padres devassos?

Que falsidades extremas, como quando vêem uma miragem
ou fantasma - incapazes de demonstrar real amor,
apenas medo e furor, como diante de um crepúsculo maligno.
Afastem-se de uma vez, suplico, deixem-me,
não toquem em minhas pétalas com estas ferramentas
cheias de cascas, cimento, lama e restos de comida.
Não se finjam de meus mecenas, de meus adoradores,
meus amigos e amantes, fora toda a gente infame.