Saturday, February 28, 2009

IX






Idéias na alvorada.
Tocar um instrumento
Ouvir os passarinhos.

VIII






Um longo caminho
para a simplicidade -
Ninho no galho da amoreira.

VII




A lamparina no escuro
Noite fria sem vento
Folha seca toca o solo.

Friday, February 27, 2009

VI




O gato se deita
na beirada da janela.
O rio entra na noite.

Tuesday, February 24, 2009

V




O diapasão de pé
sobre a madeira lisa
O vento é alto.

Monday, February 23, 2009

IV

foto: John Tsui


A noite começa
alívio no verão
e as cigarras meditam.

III




Uma flauta no escuro
Não vejo ninguém
Eis o som do mar.

Sunday, February 22, 2009

II




Sozinha na multidão
A folha seca
na floresta.

Saturday, February 21, 2009

I




O artesão não trabalha pensando no repouso
e nem repousa com o trabalho nos sonhos.
Acorde, capitão.

Sequência Zen



Está assim inaugurada, em tempos de Carnaval nas ruas, a temporada Zen no Jazz e Suco de Limão.



"Tudo o que restou
dos sonhos dos guerreiros —
Capim de verão"


Bashô

Friday, February 13, 2009

O que não tem nome




Rua abaixo há uma estrela.
Rua abaixo há um gato na esquina.
No céu nuvens cor de cinza sobre o azul escuro.
Mais à frente o mar medonho e sereno. E anões fazem silêncio.
Depois da janela há pedras e fantasmas que descem pálpebras
e os pássaros fazem malabarismos de felicidade.
E são a prova de que o inominável está presente, nu.
O sol aquece minha pele e meu corpo já disse sim.
Meus olhos lêem cantos no verde das árvores.
Ainda que eu fosse a balconista daquela padaria
e só passasse as horas longas a servir pães quentes
saberia que o inominável está no entorno.
Em cima dos muros, entre os carros, no ar com cheiro de grama.

Seita mística é nada mais que ter sentidos, olhos grandes,
e principalmente ouvidos. Ouvidos na nuca.
Que a percepção maior da alegria e do silêncio
por trás das coisas sussurra e murmura na nuca,
debaixo dos pés, no couro cabeludo.

O gato saltou para a janela acima do precipício.
O piano começou uma peça em tom menor.
O rio desce a rua para o mar, para a baía.

Durmo já. E meu sorriso se abre no sonho
como as asas de uma borboleta quando nasce o sol,
e sobre o som do rio ali adiante com nenúfares e grilos mortos
na manhã criança, que nunca se esquece de nada.

Sunday, February 08, 2009

Um dia vou sumir dessas bandas



"Ode on Solitude", de Alexander Pope

Perdi minha paciência.
Esses racionalistas estúpidos de olhos enormes,
esses mesquinhos de grandes bocas, esses bobocas
essas dondocas, os cheios de si com suas panças
os que invejam outros e jogam pedras.

Por que diabos tenho que dividir o mundo com essas gentes?
Mas me digam... dou uma garrafa de chateaux-margaux a quem me convencer.
Se eu tivesse uma.

Achar o centro e ouvir a música no escuro
Isso eu quero ver quem me ensinará a fazer.
Está para nascer quem tenha coragem
de encarar essas carantonhas e ser puro,
e ao mesmo tempo sorria e continue cantando.

Precisaria ser novamente um pássaro
com a consciência plena de um buda,
ser uma árvore disponível e plena
mas com a clareza de perceção de um Mahavira.

Por isso vou pegar meus instrumentos musicais,
meu gatinho, vou gastar o cartão de crédito com bebidas
e ficar com o nome sujo na praça, embriagada.
Vou doar o resto dessas porcarias
e ir procurá-lo nas florestas,
nos vales rochosos, nas praias, nas ilhas
Vou sumir daqui em busca dele
e ninguém nunca mais vai saber de mim.

Tuesday, February 03, 2009

Corvo




inspirado após audição de "Black Crow", de Joni Mitchell

Desce do céu em rasante
Desce a rua radiante
Sobe num arranco de alegria
ao céu, a rua, em solidão brilhante.

Anda entre cogumelos
com a cabeça abaixada
para evitar os olhares - ah!
estes olhares tétricos amarelos
dos transeuntes, das donas de casa
que exigem seus direitos no mercado.
Sobe e desce presentindo os corpos
suas presenças vazias ou coloridas
- tanto faz. O olho do céu lhe guia.

Desenhando música e perpetrando ventanias
mesmo suaves, é de rapina, mas rebelde.
Recusa seu destino de bruto, de caçador
recusa-se a participar das touradas e dos jogos
esses sanguinolentos jogos de cartas - vejam como suam
e se incham seus papos de orgulho na disputa.
- O céu nublado lhe basta, rapina desgarrada.

Serpenteia, desce, empoleira-se nas árvores
nos jardins, nas praias - e vai-se
em busca daquilo outro, deste e daquela.
De sonhos verdes e pesadelos mascarados.

Ave calma, faz silêncio em sua gritaria.
Ave solitária, prevê destinos nas nuvens.
Ave à qual Deus, velho safado, negou o canto
mas ela se vinga tocando nos varais e nas cercas
a música do anseio no meio da noite,
palpitando de morte na vertigem plana do dia.