Saturday, April 14, 2012

Nocturne



Pois sou um ser noturno.
Felino no arbusto,
raposa atrás da cerca.

Sou uma caçadora negra,
mariposa anil,
falcão mergulhado no breu.

Meus passos são feitos de treva,
meus pensamentos tecidos no escuro.

Minha boca pronuncia tons menores
mas o necessário para a existência no abismo.
Meu texto é de apocalipses e espantos.

Pois sou um ser nascido na madrugada.
Sou uma anêmona criada no fundo
da cauda de um piano no sótão
no oceano, na solidão dos poliedros estelares.

Meus pés são feitos de crepúsculos e quasares tristes.
Meu ventre de forças gravitacionais abissais,
meus olhos de estrelas mortas, meus dedos de folhas
caídas na madrugada chuvosa,
pois sou um ser noturno

Meus passos são feitos de treva,
meus pensamentos tecidos na erva,
minhas palavras banhadas por arcanjos
meus atos em negros florais arranjos.

Wednesday, April 04, 2012

Cosmogonia




Dissolvendo-se branca
Pouco a pouco derretendo
Liquefazendo-se
e depois se vaporizando.
Está se esfacelando
Está se esfarelando
Está se diluindo
e escorrendo pela escada.
Espraiando-se
e dissipando matéria,
perdendo-se no cosmos imundo.

E então condensando
e petrificando-se em gesso.
Congelando
e descendo ao zero kelvin.
Quebrando-se de dureza,
partindo-se em enormes lascas.
A bola vai demolir uma muralha do tempo das batalhas.
Chumbo envelhecido que esqueceram no sótão.

Pulverizando-se
Remendando a rocha antes de espargir-se
A enxurrada leva de novo
os pedaços, o cálcio, o zinco, os ácidos.

Estou virando lâmina,
me reconstruindo como
um castelo pálido de agulhas ao sol.


Tuesday, April 03, 2012

Feitiçaria




Eu tenho um dado de osso,
você um plano traçado pelo pai de santo.

Eu tenho uma bola de carne apodrecida
você um um tabuleiro ouija

Eu tenho dez gatos tricolores
para falar com espectros às 4 horas,
você tem mandalas feitos a lápis-lazúli.

Eu tenho as palavras da boca de quem tem o amor
e os planos de quem deseja  enforcar o enforcado
da carta de tarô que ainda não teve sua punição.

Carrego um resto de erva com algumas flores
que nasciam à beira do rio e já secas.
Você leva umas cantorias da avó sarará.

Tem que dar certo,
trazer meu homem em
poucos dias,
ou outra maria-sem-vergonha
vai secar na margem do riacho,
na madrugada de um inverno vil.

Digo teu nome três vezes diante do escuro
e as trepadeiras todas se remexem como serpentes,
e as dormideiras se encolhem de frio.