Sunday, December 15, 2013

Dezembro



 Dê  aqui a sua mão.
Abrace-me quente.
Quente como sua boca,
quente néctar vivo.

O desejo na noite,
boca de um proteu perdido numa gruta.
Uma estalactite se parte
e na água pura do escuro
o proteu se arrepia.

Perguntam o significado da vida.
Nunca entendi a questão,
já que a vida não é palavra ou signo
para ter significado.

Vida é como um mar escuro
povoado de holotúrias e algas vermelhas
onde se é lançado impiedosamente
para existir, como um poema ou uma canção.

Pedimos significado para símbolos matemáticos,
e frases em afegão e russo, ou alemão.
A pantera apenas anda em círculos, tensa, com saudade,
não tem significado, apenas existe entre grades,
cheia de desejo e solidão.

Agarra minha mão que sua frio.
Respiro o calor do seu peito firme e quente,
e vivo, ansiosa de alegria e consciente de espírito,
uma hora como o proteu na água escura,
outra, como uma nuvem dourada no céu de dezembro.

Wednesday, October 30, 2013

Canção da farsa de amor II



The Lovers, 1987 - Jan Saudek


Agora nossa canção é una,
agora o hino em nossos corpos
alçou vôo no hiperespaço do amor,
além do espaço das palavras, do tempo dos sons,
da geografia do pensamento.

Quero-te antes de qualquer pergunta.
Quero-te antes de qualquer fantasia.
O pássaro enjaulado do desejo
metamorfoseou-se em mil jaguares famintos.

Corre no fundo azul do sonho
meu cavaleiro embriagado,
meu guerreiro de cabelos longos,
o mensageiro nu na madrugada.

E deito-me em seu peito qual felina,
derramando-me em ti como vinho na mesa,
e adormecemos no fim das eras,
sem destino, sem passado, e crescemos,
e renascemos cem vezes em cem estações,

duais, unidos, nuvem e vento no mar,
fogo e fumaça num vulcão.

Wednesday, August 21, 2013

Days of wine and roses





Céu quente, mas azul, que me desperta
Lua, espelho dos sonhos e delírios
que criança ainda, desenhei na contracapa
de "Alice no País das Maravilhas",
lua fresca, lagoa, shots de licor e um quarto fechado.

Tempo que se passa na rua, exceto aqui,
onde somos dois anjos nus e enlouquecidos,
onde somos apenas duas crianças ensandecidas.

É o que esse amor impõe
sobre nossas mentes e corpos tal como rugas,
em nossos dias, apontamentos.

Não quero, meu amor, uma fanfarra e multidão
cobrindo nossos abraços de olhares e felicitações, mas sim
a selvageria de nossa intimidade solitária e infantil.
Uma torre, meia-luz, água fresca,
e nossos cabelos flutuando entre flores divinas,
lilases, azaleias, livros, calor.

Come live with me and be my Love.

Não tenho medo do escuro, não temo a poeira,
não me curvo diante do Mal, da mesquinha invejosa,
dos mercadores cheios de veneno e das serpentes em cestos.

Somos dois poetas da nudez e do riso,
somos duas aves num céu amanhecendo.

Come live with me, and be my Love.


*Este poema contém citação do famoso poema de Christopher Marlowe.

Monday, July 22, 2013

O vento frio





O vento traz cheiros da chuva,
o vento traz amor, o vento traz seus olhos escuros,
e vento traz a ausência.

Como um mordomo sarcástico,
refinado torturador nas horas vagas,
o vento traz, silencioso, a lembrança da distância.

E o mesmo vento traz o perfume do futuro de amanhã,
pois nos encontraremos novamente encarcerados um no outro,
na torre abastada de vidro e madeira,
no quarto cercado de verde escuro, cercado pelo vento,
e pelo som de um pequeno rio.

A tensão cresce na alma e no desejo do corpo,
e somente o vinho pode anestesiar o espírito,
enfraquecer a mente infame, ilógica,
apavorante, tomada das chamas violentas do coração.

Lá longe vão cavalos de prata,
lá longe está  a grama cobrindo jardins, e túmulos.
A calmaria se espreguiça sobre o campo de crianças mortas
e essa lua malfazeja que nos observa.

Mas eis que vem meu amor passear na nuvem dos meus versos.

O vento traz a música da sua boca,
e traz o calor perfumado de sua nuca de homem altivo,
o suor do guerreiro, a capa do poeta, o livro nas mãos de jovem cavaleiro.

O vento traz o silêncio do seu coração lúcido de sofrimentos,
e traz a cantiga de nossos futuros cantos de delícia.
E assim afloramos bêbados,
pálidos de fadiga, embaraçados de tanta vida,
perdidos em nosso imenso terror de amor.

Tuesday, April 16, 2013

Sol e estrelas






O licor da tua boca
que bebo insone
diluo em meu desejo
enquanto a lua,
branca alma penada,
assiste nosso embate de mil cores.

Corpo que anoitece explodindo
em tempestades magnéticas,
e guarda em seu calor
o dia eterno do amor.

Tua lua queima sonâmbula na madrugada,
enquanto meu sol, O Capitão, domina
a paisagem do poema,

do pensamento, da respiração,
do sensual e espiritual neste mundo.

E esse amor, como um belo organismo
na selva chuvosa, qual tronco de árvore de mil anos,
se espalha entre nossos estertores na noite
iluminada por estrelas vadias.


Sunday, March 24, 2013

Oracibernação




Oremos no escuro.

Oremos à luz de velas que queimam
sozinhas e espalham fogo no claustro.

Oremos pelos corredores
e nos parapeitos das janelas.
Oremos aos deuses
que nos iluminam os dias.

Oremos ao Frade italiano
que nos inebria com sua bênção.
Oremos sob os olhos de Pablo
redondos na madrugada estrelada.

Oremos à ilha de cânticos,
oremos pela água benta do Senhor.
Oremos através das palavras
e também por nossos olhos.

Oremos à Lua
oremos à chuva
oremos à santidade
de Heitor e de Johann.

E do alimento de nossa fé
e do sono de crianças
renovamos nossos votos,
oracibernando incólumes,
virgens, lúcidos,

embriagados.

Sunday, March 10, 2013

Refúgio



Não tenhas medo, amor
de atravessar a soleira da porta.
Não tenhas medo do desamor ou do cansaço,
não temas a solidão repentina ou o descaso.
Não tenhas receio de entrar em meu quarto,
de deitar seu corpo em minha cama humilde.

Meu calor, a clausura escura, velas e vinho
te receberão fatigado e triste,
como a  um rei persa derrotado.
E também te receberão forte e palpitante,
quando a alegria te invadir a casa do espírito.
Quando a libertação chegar,
terás, como sempre, o doce café, o beijo, a suave luz verde.

Cantarei uma toada singela de borboletas,
tal qual uma frase mágica, e de repente,
como uma criança num guarda-roupa,
adentrarás em meu mundo de cores vivas,
e música para cello e piano.
Adormecerás liberto, leve, seguro,
como uma lagarta que ignora a noite sinistra lá fora,
para despertar viva e com asas vermelhas,
aquecendo-se sobre folha de capim.

E serás ainda mais vivo,
e nosso Nirvana estará próximo,
e nossas manhãs serão de cânticos doces rosa-chá,
e música para cello e violino soará pelos nossos dias.

Monday, February 18, 2013

Catarina e Pablo ouvem Chopin

Olhinhos fechados
no silêncio,
nas pausas de uma Berceuse,
num Noturno de flores,
nas ondas da Polonaise,
patinhas para cima,
continhas de areia,
estrelinhas do mar.



Luzinhas que caçam,
vagalumes de pensamento
pairam livres sobre as cabeças
adormecidas de Pablo e Catarina,
que em sonho perseguem moscas verdes,
e caçam gafanhotos cor-de-rosa.

Calor entorpecente em 3/4
acordes que se alternam entre
grama fresca e lágrimas quentes.
Pablo e catarina ressonam
com as patinhas para cima.

Alheios a si,
alheios ao Mal
deste imenso mundo,
pequenos deuses indiferentes
ao ódio humano,
à luta egocêntrica, à sujeira das máquinas
e da burocracia de papel.
Pablo e Catarina sonham
com fadinhas-vagalume para serem caçadas
na invenção de um triste senhor polonês.

Tuesday, February 12, 2013

O pistoleiro

                                                Fotografia de Jan Saudek




Encontra-me à janela numa tarde de flores vermelhas,
janela de madeira comida pelo tempo e outros pássaros vorazes.
Caminha tranquilo, em paz com suas armas, na calçada de escorpiões.

De camisa branca vem o meu amor,
com rosas na mão direita,
e uma adaga na cintura. Seus olhos vermelhos
de sangue derramado de patrões exploradores,

pois ele é o justiceiro dos humildes, dos camponeses,
dos índios, das escravas negras abusadas pelos senhores brancos.
Ele é dançarino, jogador, príncipe dos sem lei esquecidos nas tavernas.

Um anjo de olhos negros que vem me visitar,
íncubo de sonhos de ninfas virgens sequestradas,
protetor de pássaros, companheiro de lobos,
amante que abre minha alma como uma flor de lis na manhã de outono,

irmão que estende seus braços para aninhar-me em seu peito,
onde sinto bater seu coração constante,

amor de séculos passados enclausurados no escuro,
de chuva do futuro que pende na montanha,
da música de um violino adormecido no presente.





Monday, February 11, 2013

A hora do lobo



Na hora do espanto e do terror
na hora da chuva fria, da humana solidão
da qual não me arremedo, da qual não fujo,
pois sou filha da escuridão, sou filha do frio,
sou filha da tempestade que traz ressaca no mar,
e filha da lama na ruela onde
traficantes vendem seus sonhos sujos.

Na hora triste em que doentes morrem de abandono,
e que cachorros cheios de amor uivam por seus donos mortos,
na hora em que gatos, os divinos, emitem suas palavras de amor,
e se esquivam errando no vazio estrelado,

estou bem acordada e à espreita.
Estou, felina, alucinada, escrivã, musicista,
estou, madrugada, inteira.
Sem café, sem estimulantes moleculares,
sem diapasões, sem luminárias,
estou inteira, à espreita, na chuva,

com uma lança mortal
na esquina.

Sunday, February 10, 2013

Amor e outras fantasias




Ei-nos no laboratório,
vidros, venenos, ácidos azuis
e outros brinquedos de adultos.
Nossa vida, nossos silêncios,
nossas histórias de pin ups
e lentes vermelhas,
nossos cânticos e drinks evangelizadores.

Descobrimos todo dia na grama verde
insetos transparentes, vaga-lumes que são estrelas.
Momentum e posição indefinidos,
álgebra não-comutativa sobre esquemas
parametrizados por dois loucos.

Amor, vestes-me como fantasia real,
e te visto durante o dia, à noite, pela madrugada
como se fosses a luva constante
que uso em meu trabalho diário
e minucioso de redescoberta
da fauna e da flora da existência.

Nossa vida, nosso jardim,
nosso laboratório de pensamentos, risos,
carícias e viagens, de toques e animais marinhos,
o parapeito das janelas, os gatos à espreita,
as velas, as taças, a água que escorre,
a nossa música.

O primeiro pensamento na alvorada,
a última lembrança ao adormecer.


Sunday, February 03, 2013

Vampiro II

                                   Dark angel rising, de Neil A. Pike



Escuro dia que sucede
uma noite cintilante,
um corpo pulsante,
uma flor arfante.

Febre vermelha desata,
capa de seda negra.
Letras num manto de ardor anil
literatura do desejo preso num covil.

Arca de vontades,
bondes de crueldades de amor
lustres e meias rendadas,
taças a ponto se serem quebradas.

Amor que pulsa numa gruta,
sem ser visto e, de repente,
explode enlouquecido,
mas imenso e divino, luta

para ser visto e bendito,
por seu amado, precisa de sangue
e se espalha eterno e real,
frágil e em movimento, como o espaço sideral.

Luz vermelha na rua suja,
e vejo morcegos e gatos no breu.
Esta que se equilibra de corpete sou eu,
sob a lamparina de querosene.

No meio do Destino atlântico,
no caos da tempestade de deuses hindus,
fúria e vazio de nossos teares de vida,
meu amor surge tecido, vestido, painel, mural,

e desejo universal.



Sunday, January 20, 2013

Vampiro




Chove e amanhece na rua pálida de fadiga
de ter presenciado gritos e estertores antigos
e cânticos tristes de muita melancolia,
que deixou o Vampiro quando partiu.

Na noite vermelha surgiu uma anêmona,
estranha e frágil em sua vida de ser marinho
nascido fora de seu habitat escuro e seguro.
Na rua pálida, uma anêmona branca e triste.

O Vampiro veio como sombra de eras futuras,
e sua boca encheu de sangue a flor marinha
e ninou seus terrores com histórias de viagens ao vento
e concertos com pequenas orquestras de corda.

Na noite fria, na chuva triste, na rua vazia
o Vampiro caminhou amoroso,
com uma flor carmim nas mãos,
pulsando de perfumes apaixonados.

Ele partiu, e deixou sua flor aninhada
em meu seio, como um coração perfumado.
Ele partiu para longe deixando na rua chuvosa
a memória de sangue, calor e um perfume de flores marinhas.


Wednesday, January 16, 2013

Livro

                                                        "Love Story - Jan Saudek, 1974"




Desejo ler o Livro da aba até a última página parda,
mesmo a ficha catalográfica e o índice remissivo.

Desejo me perder e reencontrar docemente em cada linha
e sílaba lancinante, em cada aliteração cheia de calor e fôlego,
em cada parágrafo alucinante.

Desejo submergir na leitura
destas histórias tristes,
das noites frias e sem sentido,
dos dias enfadonhos de papel e ar condicionado, 
das ansiedades abafadas em jornais no ônibus,
dos sonhos esquecidos nas quinas,
das lágrimas escondidas nas ruas de trás,
do gozo furtivo no quarto escuro,
do calor e frio em dias extremos,
da fadiga de insônias,
da incerteza e da agonia,
da alegria infantil, da sanha do jogo,
do desejo implícito, da malícia displicente,
da inocência de cantoria solitária, 
na madrugada e na chuva.

Lerei o Livro da tua existência
de carne de homem adulto e criança.
Lerei o livro de pensamentos,
de desenhos e frases retidas na garganta,
de frases escritas, de gritos de alegria,
de estertores, de celebrações,
lerei as páginas do teu coração e de nuvens.

Amarei cada página feita de flor
cada letra feita de rubor,
parágrafos que são a oração dos teus dias,
capítulos que são murmúrio e estertor . 


Saturday, January 12, 2013

Sono, madrugada





É madrugada escusa
é tempo de escuridão
é hora de uivos nos morros
e asas contras as janelas.

Enquanto, criança,
ressonava no ninho do breu,
entre anjos esbugalhados despertei
e aos prantos te chamei,

mas, querido, nada podias,
já tinhas me dado tudo.
Há esses tempos de enfrentar morcegos
sozinha no espaço infinito

e é tudo o que existe, não há ninguém
no meio do tempo nem no quarto,
na sala ou no jardim,
somente deuses em ruínas.

E teu corpo terno e quente, tão distante
Uma roda de ciranda foi entoada por uma bruxa
na janela aberta, e ela tinha dentes podres
e olhos de baratas negras.

Enquanto isso, eu orava sobre as flores
que me deixaras, amado.
E soluçava para que despertasse, e que seu toque,
como um feitiço branco, desfizesse o terror.

Que seu abraço de primavera
me fizesse sentir além da náusea,
que sua voz branda me encantasse,
além do espanto e do lamento fúnebre.

Que sua presença me trouxesse a luz,
que seu coração tocasse uma sonata,
e que assim os pássaros-lâmina me deixassem
e que eu pudesse respirar e viver.

Mas tua canção aninhava-se
em nuvens verdes, rosadas.
Estavas envolto em poesia,
estavas imerso em êxtase.

Eu te queria anjo,
te queria guerreiro,
te queria sábio monge,
te queria leito para meu peito agonizante.

Eu te amo. E te perco entre brumas,
e música que embala barcos,
mas sei que estás comigo,
e me salvas do naufrágio entre górgonas.

Eu te amo, eu te amo,
e como mantra repito em lágrimas
no seio da madrugada aterrorizante,
e seguro tua mão, amor, na poesia e na esperança

do teu despertar.