Saturday, June 18, 2011
Vocês, os larápios
Cuspiram em minha porta
e escarraram nas minhas pegadas.
Depois de sorrirem como policiais na esquina,
entraram em meus aposentos pela janela
e macularam meus lençóis e toalhas de mesa.
Surrupiaram meus livros e copiaram meus poemas,
roubaram minha capa de chuva.
Falaram mal de minha ascendência nas tabernas imundas
e caçoaram de minhas mãos finas e botas de salto.
Chacoalharam a jaula com meu gato dentro.
Puseram-no exposto ao frio à beira do rio.
Elevaram a voz para que minha voz não fosse ouvida,
tal como João Batista proferindo verdades sujas no poço escuro.
Ofenderam meus ancestrais e duvidaram de minha nobreza,
viraram-me as costas e, quando virei a minha, vieram à minha caça.
Vocês não são benvindos mais,
nunca nem em qualquer tempo futuro ou passado.
Meu desprezo é retroativo,
minha armadura é justa, cega e imbatível.
Nada há que possam fazer. Nenhum perdão aos ímpios,
vocês não são mais benvindos.
Sunday, June 12, 2011
Da natureza e das constituições
Questionei-me sobre a injustiça e caos em tudo o que há
e uma música, e seu silencioso instrumentista
ensinaram-me uma lição sobre a justiça que permeia
toda a existência, e sua calma sabedoria.
A rocha tem a constituição cega dos minerais
e o brilho contido em cada minúscula partícula de cristal.
O minério é a reunião bruta das essências brilhantes,
e o mistério de sua força é a delicadeza de bilhões de espíritos.
As folhas das árvores vivem na mesma natureza
das asas de borboleta e caudas de libélula, em suas vidas magras e coloridas
de puro espírito e movimento, formando letras e equações no ar.
Por isso não nos encontramos, nos desejamos, lutamos, matamos.
As naturezas devem ser respeitadas, levemente separadas
na grande república da matéria e das vontades,
sob o cetro da dinastia do tempo.
Para alcançar o outro, há espaço e silêncio.
Para estender as mãos, há uma estrada vazia e chuva.
Para haver calor e sorriso de contentamento, a natureza vive a fome.
Em cada constituição há uma lição e uma epopéia.
Nas pedras e ventanias em cada pêlo de animal caído,
em gotas de sangue dos que morrem nas ruas e clareiras,
nas lágrimas das mães que choram por seus filhos.
Há a natureza das pedras, há a natureza do mar, há a natureza do fogo,
a natureza das frutas, dos corpos opulentos de reis e almas esticadas de poetas,
a natureza do pão, dos mestres e dos pedintes, há a fome e a exuberância,
existe a natureza da dor constante e sua interrupção,
da morte em vida e da esperança na morte, no alívio do além.
Há que silenciar e entender para viver neste mundo, entre sereias e abutres.
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