Tuesday, September 01, 2015

Hoje é dia de poema




Porque hoje está chovendo
Hoje é dia de se perder e temer.
Hoje é dia da coroação da Senhora Liberdade
e seus duendes alados beberão sangue em taças de ferro,
fadas tirarão a virgindade
de secos e inférteis intelectuais no meio da madrugada.


A noite será longa, mas curta demais para poetas.
Os músicos tocarão seus alaúdes e suas alabardas
e sangue humano será derramado.
Pássaros silenciarão, mas haverá pardais
e pombos famintos de manhã
e crianças sujas dissonando da música com urros de leite.


Morreremos em breve, mas lobos serão nossos cavaleiros
libélulas nossas daminhas de honra e
gatas, nossas madrinhas excêntricas.

Despeço-me da vida com a chuva que envolve a lua
nua, com seu véu de seda aquático
E renasço amanhã com a memória macia
da música e do vago terror
de ser livre, puro e não ambíguo.

Sunday, July 12, 2015

Dança de vento e sal



Meus movimentos de asas se alimentam
de seus olhares de despeito vermelho
e de suas bocas inchadas de maledicência.

Minha pele é armadura como exoesqueleto de libélula
e meus olhos são os dos felinos à noite.
Conjure feitiços, e eu os cortarei
tal como a chuva dissipa a fumaça negra da morte.

Danço cada vez mais alto, e sobranceira
despeço-me de toda a gente ignóbil, as lagartas,
as comadres na janela e vadios de taverna
que um dia serviram ao meu lado, aos mesmos capitães.

A cada maldição, meu sopro de arte.
A cada flecha envenenada, meu passo de fanfarra.
A cada sussurro negro, minha canção em letras douradas.

Tal como Ariel, danço nas areias, no sal do tempo,
na luxúria do vento, no caminho da floresta imaculada.

Tuesday, April 14, 2015

O ogro na biblioteca




O ogro senta-se majestoso
sobre uma pilha de livros modernos,
descomunal, triunfal, grandiosa é sua pança de ar.
Flui em seu sangue fogo-fátuo
e seu suor expele pequenas águas-vivas.

O ogro sonha em ser um príncipe. Crê ser um diplomata.
Suas enormes mãos derrubam comida sobre os livros,
ele diz que não precisa mais deles para conjurar fórmulas e feitiços.

O ogro afasta as borboletas com seu hálito nauseante.
Esbraveja ao mundo que são as borboletas as débeis
doentias, vulneráveis, um gasto ineficiente da Natureza.

O ogro urra longos discursos intercalados
com sons de gases e frases estrangeiras.
"Whatever, dude", "ah bon? Mais oui."
O ogro reúne um séquito de bajuladores,
lagartas mal formadas e sapos coaxadores.

De volta à Planolândia


Encharcada até os ossos
do pálido drinque industrializado
comprado em módicas garrafas
no mercado da esquina.

Fadiga de gente que diz "bom dia".
Fadiga de gente que aceita qualquer almoço,
qualquer cama para dormir, e  se crêem barões.
Multidão que adora clichês como deuses em frascos,
e se crêem poetas cegos e pitonisas.
Fadiga de gente que é bastarda na alma,
e farta nos talões de cheque.

Cansada de gente que gosta de qualquer livro,
que adora qualquer música,
que se empolga com qualquer filme,
e toda expressão congelada é uma obra de arte.

Pequena  elite pequeno-burguesa, sem senso crítico.
Farta desses olhos amarelados
dentro de carros parados no engarrafamento.
Gente que ostenta o copo de café do Starbucks
ou a viagem à praia no fim de semana
como o banquete no Olimpo.

Farta de mediocridade das fanfictions,
da pobreza vocabular e de suas trivialidades grosseiras.
Hipsters que se tomam por trágicos dândis
e adolescentes que brincam de sarcasmo.
Farta de homenzinhos mentirosos e
falsos sedutores fedendo a artifícios,
nauseada de falsos amigos que sempre têm uma carta na manga.

Fadiga dos burguesinhos bastardos na alma
e obesos nos cartões de crédito.

Classe purulenta a da gente que aceita e aprecia tudo sem questionar
e se crê bem-sucedida em seus início-meio-fins.