Monday, November 19, 2007

O poema é para os sem vez

Pudor

O canto da poesia não foi designado
aos belos deuses das esferas antiquadas
Nem aos belos corpos anacrônicos
dos ricos entediados, nem aos poderosos
armados, amargos, brutais, portentosos
que caminham sobre o mundo com
suas naves de mil janelas, grandes aves
Brutas aves gordas prontas para o abate.

O canto geral da poesia é para as joaninhas e os gatos
É para os sem voz, os condenados, os moribundos
A poesia é feita para os marginais sem mães,
as putas com seus filhos famintos, seus amores partidos,
é para os cegos, os esquizofrênicos
O canto geral é para os trabalhadores
ignorantes das marinas, das estivas.

O canto foi feito não para enaltecer
os egos de vaidosos spallas ou
arrogantes diretores de orquestra
Ou de políticos risonhos com suas mulheres
de vestidos longos, soirées cheirando a vinho
Nem para adornar o ventre
de princesas de cílios movediços

O canto foi feito para os pés rachados
dos sem-terra que aram e bradam e caminham
por essas sangrentas terras de meu Deus.
O canto foi feito para os pequenos artistas
mestres com seus jardins interiores
sem um centavo no bolso e amores perdidos
O canto foi feito para quem está nu.

O poema foi feito para os enjeitados,
as crianças de cinco anos
os suicidas que morrem de amor
Os rebeldes que já não têm nada a perder.
O canto não foi feito para vocês.

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