Friday, April 17, 2009
Felinos
É madrugada e está frio - o gato na janela
e outro gato na rua entre portões, e salta entre muros
Silêncio do rio no portão, silêncio da mata adiante
Silêncio na noite fria de inverno que se esgueira
O gato ausculta a madrugada na janela.
O gato caminha entre ervas na rua e entre dejetos
caminha digno e silencioso.
Os felinos tramam em silêncio a Queda.
Na noite de sexta-feira, raiar de sábado
ainda incerto, em que o sol ainda nem se lembra
de que despontará e suas luzes adormecerão os animais
caçadores, os noturnos que enxergam infravermelhos.
Os felinos erguem espadas esguias de dentro dos olhos claros
na madrugada acendem chamas fluorescentes.
O rio canta, a margem espanta insetos
As torrentes espargem sinfonias brutais
e pequenos seres viventes morrem antes da alvorada.
Os felinos lutam batalhas em silêncio entre si na noite
Os felinos saltam por entre muradas e grades
mudos, suaves, finos, cheios de si.
Não sentem fome nem sede, sentem somente
a noite que se mostra infinita sem estrelas.
Saturday, April 11, 2009
O nome
Só sei dizer em poesia
porque sou covarde - só sei dizer em verso.
Mas virou a madrugada do dia
em que te reconheci, mar que quero ver todo dia
Sol que desejo toda noite, estrela que está velada
Falei com o escuro, e ele me disse teu nome
Disse o que disse a cabala e o que cantou o tarot
no meio da sujeira dos dias, nos arbustos das noites.
Disse encarnado em deus bêbado, em pitonisa por entre vapores
Disse-me que adormecesse, e aguardasse, e respirasse
E disse-me teu nome, disse por entre livros mofados.
Meu ventre contém névoas e luas que não conheço.
Somente agora vejo e ouço o que a sacerdotisa escondida,
por trás de todas as resoluções e chuvas, tem sussurrado.
Porque deuses sussurram sempre.
Desta vez ouvi o escuro e as estrelas de Aquário
soprarem suavemente e as chamas nas montanhas
e as aranhas urdirem em teias, e os melros anunciarem
O que o escuro disse, no frio e pleno entre pedras e o mar do Arpoador
Disse teu nome, o nome que quero para toda a vida.
Thursday, April 09, 2009
Toada para a noite
cena de "O Rosto", de Ingmar Bergman
Somente eu ouço o teu coração
à distância entre o palco e a platéia
Somente eu estou dentro dos teus olhos fechados
vendo as notas e as lágrimas... sou tua irmã
Estamos viajando em mares que se ligam por rios
Estamos juntos na chuva que encharca a estrada
de lama negra, que enevoa o horizonte
que entristece as manhãs difíceis de despertar.
Estamos de mãos dadas no escuro, na poeira
e cada um numa gruta, num passadiço sobre riachos
profundos, riachos perdidos de estrelas vazias
Estamos de mãos dadas nas noites envelhecidas.
Eu te amo. E no silêncio, uma oração te componho
para que leves na estrada de terra apinhada
de faces rudes, de carantonhas grotescas,
de vilões bêbados armados, de mulheres lascivas
por entre a estupidez e a perversidade
vais caminhar ileso, a salvo, no ninho da minha canção.
Canta, que eu te seguirei.
Subscribe to:
Posts (Atom)