Sunday, October 10, 2010
Os abutres
Como Candida Erendira corri com o vento
e os abutres continuaram sentados à mesa de costas para mim.
Acendi uma vela no meio da clareira da floresta
e orei aos meus pais, que são deuses, me livrassem do Mal.
As aves terríveis se odiavam e partilhavam o mesmo pão e a taça de vinho.
O rei dos abutres erguia o pescoço retorcido com uma altivez autista.
E contava os contos e miçangas de suas caças às carcaças
e cantava com sua voz profunda e rouca as monstruosidades de sua vida rapina.
Corri contra água e vento deixando entre eles apenas minhas pegadas de criança.
Anjo pequeno e medroso que teme as sombras da noite
e por isso pediu a Deus que voasse somente durante os dias.
Anjo do tamanho de uma flor de jasmim, que não olha nos olhos das gentes.
E voei, com asas de casca de ovo de martim-pescador, e vestido de seda que os bichos fizeram.
Voei e as águas não me arrastaram, nem me levarão. Pois os deuses me escolheram
e me cobrem com escudos e maças de guerra, e afastam os abutres,
comedores da podridão, do lixo espalhado pelo chão, os covardes devoradores de vermes.
Cantei no escuro e desenhei encantos nas paredes da caverna que dá para o mar.
Fugi e escondi as chaves, e somente meus herdeiros distantes as encontrarão.
Os abutres secarão no deserto de suas memórias escuras
e morrerão de inanição no jardim de seus odiosos pensamentos
enquanto me erguerei à sombra dos deuses que me estendem seus pomos secretos.
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2 comments:
Interessante... Lembra um pouco uma fábula, ao mesmo tempo que tem um pouco de poesia e trecho de um conto macabro. Gostei da forma que descreveu a cena, ficou realmente muito bom ^^
Beijos
Obrigada, Tami...
um beijo,
C.
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