Tuesday, January 26, 2010

História da minha passagem





Piso nas folhas escuras, exalam um perfume do verde morto.
O aroma da caverna da existência - nela que, entretanto, não entramos.
Vem me chamar para casa, vem me seduzir pela combinação do coração e
de seu imenso véu, pelas harmonias estranhas de uma música
que ninguém ensinaria neste mundo.

Ninguém entende uma só palavra, então já me calei.
Não me interessam as políticas e reestruturações,
as organizações de pesados eventos e reuniões de pessoas
que não são mais do que seus cargos e funções, elas nunca existiram.
Tomo o ônibus pela manhã em que chove fumaça escura
e é apenas meu corpo que adentra a maquinaria.

Meus olhos apontam para onde minha alma passeia.
E lá estou nos campos molhados e a grama enfeitiçada,
e na praia rochosa sob uma chuva, como suaves palavras
cantadas por deuses-músicos que mal pisam o ar.
Enlouqueci, e assumo a liberdade dolorosa da esquizofrenia.
Nela encontro meus deuses silenciosos e sacrifico a eles
pedaços de nuvem e notas simples, sem vibrato, do velho violoncelo.
Nela encontro meus gatos e outros animais partidos deste mundo triste,
fantasmas que correm como crianças e maçãs verdes trazidas pelo mar
e conchas que saltam da neve, descobertas na arqueologia do delírio
em que nos lançam a noite, o tempo, a ausência da lua e a perda da memória.

Fecho a porta e jogo a chave pelo buraco que dá para um abismo.
Cerro as cortinas destes dias e não vejo nem ouço quem me fala.
Apenas observo, e assisto, o rio, o espaço, as estrelas, os cometas, as supernovas.
Falam-me as trompas, as guitarras, os oboés e violinos
contam-me uma história de quando eu nascer de novo.

3 comments:

Lucia said...

achei linda! A gente viaja junto!

Lucia said...

mas eu acho que a ideia Cecília é que prestando atenção em acordar as 4 e meia, pegar ônibus cheio e passar por lugar feio, vai incomodar muito mais do que simplesmente fazer no automático e, incomodando, dá mais vontade de mudar.

tork said...

vista deliciosa, menina...