Thursday, January 31, 2008

Nuvem

Queria tornar-me frio de nuvens
Não o frio que olha através do cais triste para o horizonte
Não o frio do farol na ponta do rio contra o oceano
Mas sim o frio do frescor de quem chega e não parte mais
O vento que traz água de mares solitários
Para abrandar a violência de muitos calores preocupantes


Desejaria ter esta chance, e não ter que agradar a ninguém
Não precisar dizer as horas nem fazer provas para que professores
me recompensem com sorrisos de confiança
-- pois não quero que confiem em mim
Esqueçam-me, deixem-me entregue ao vinho e à guitarra
que alguém toca em outro apartamento



Para que tantas posições, tantos cargos, tantos números
Não há diferença entre dez e um bilhão
Uma estrela em si é esplendor suficiente para encantar
almas na eternidade aos pés de Deus
que está cansado de tanta fanfarrice,
se é que ele não é ateu.



Desejo tornar-me aquele rastro de nuvem azul-escura
Para roçar no telhado dos meninos lindos de cabelos pretos
que sonham com carros e grandes caçadas
e um dia escreverão poemas de amor tolos
Quero ser a nuvem que chega, não a que se vai para o horizonte
Como um desejo mal compreendido que não se satisfez.

Tuesday, January 29, 2008

A peça de jazz mais bela do mundo

'Round Midnight
(Thelonious Monk)

It begins to tell,
'round midnight, midnight.
I do pretty well, till after sundown,
Suppertime I'm feelin' sad;
But it really gets bad,
'round midnight.

Memories always start 'round midnight
Haven't got the heart to stand those memories,
When my heart is still with you,
And ol' midnight knows it, too.
When a quarrel we had needs mending,
Does it mean that our love is ending.
Darlin' I need you, lately I find
You're out of my heart,
And I'm out of my mind.

Let our hearts take wings'
'round midnight, midnight
Let the angels sing,
for your returning.
Till our love is safe and sound.
And old midnight comes around.
Feelin' sad,
really gets bad
Round, Round, Round Midnight

'Round Midnight - Wes Montgomery

Mais 'Round Midnight - Cassandra Wilson

Obsessão por 'Round Midnight - Miles e cia

Monday, January 28, 2008

Proparoxítonos

Secos álamos
Ermos plátanos
Turvos cálamos
Vivos ábacos


Canto úmido
Choro túrgido
Grito híbrido
Sono cúpido


Música bêbada
Bêbada tórrida
Tórridos ímpetos
Ímpetos ácidos

Secos álamos

Aos Infiéis

aos infiéis
a espada
aos ímpios
a maldição

aos que derramam
o óleo sagrado
no chão da rua
e não tiram os sapatos
no templo branco
a espada

aos infiéis
a danação eterna
aos que se despejam
lentos sedentos obscenos
sobre a urna
a espada casta
sem misericórdia

aos infiéis
a noite sem lua

Flores - Meet the Flowers

Meet my daffodil
Eat that daisy for breakfast
Breathe those heathers
in thru your dandelions

Observe minhas acácias
Beba meus licores de rosas
Lute com suas tulipas
Por melhores papoulas

Vista vitórias-régias estendidas
Como lençóis bordados de marias-sem-vergonha
Estude azaléias
E gradue-se copos-de-leite
Deite-se jacintos e desperte estrelítzia.

Earn some carnations
Kiss your lily
Bring back your poppy home
Smile your buttercup to me

Morra seus amarílis
Viva seus girassóis

Work your magnolia
Turn your orchid off

Reze lírios a Deus
Pague jasmins ao Demônio
Meet the Flowers on the subway train.

Inspirado em V. Williams

And So Leaves The Bird

wild, wild and high
so high it is

become adult
precisely
and the wind
plays in the woods
lonesome flies

wild and tight
in the limit of fire
in the circle of fire
hungry tiger wild
among the trees
nonstop, falls
with the leaves

wild, and wild comes
the strengthening absence

cool, no remembrances
in the night that is wild
for the day will not be mild
any longer, my friends

wild, cool and far
the city from the star
bright and wild
and colorless mild

due to “The Lark Ascending”, poem by G. Meredith and music by V. Williams

Saturday, January 26, 2008

Poema para um carioca

A beleza me afeta profundamente solene
Como a brisa que tange as cordas de uma guitarra
Quente e fria, aterradora e lânguida
Traz um perfume no silêncio da noite e desperta-me

A beleza que traz consigo o ardor de não saber
A beleza pérfida ou menina que corre na chuva
Beleza densa na praia, que caminha inconsciente
Como música de roda que as meninas vão entoando

Beleza, afasta-te de mim, deixa-me
Nada fiz contra ti, ao contrário, eu te canto,
Eu que sou namoradeira e vítima da beleza
Façamos um pacto: deixa os meninos a sós nas praias
Abandone-os, senão terei que apelar para a bruxaria.

Thursday, January 24, 2008

Ventando

Como vento rápido, brisa matinal
Veio e desalinhou meus cabelos
Veio e foi-se a brisa, brincando ainda
Com meu vestido de moça triste


Como ventania que se acerca matreiro
das flores mal nascidas de pequeninas corolas
Veio e foi-se lançando ainda um olhar de saudade
Foi-se a brincar no meio do mundo com as folhas do pensamento


Valsando vestidos azuis e cartas voando
ao cemitério de anjinhos prematuros
Vai-se o diabólico vento alçando cantorias
Como veio semeando desejos antigos numa nave de não-sei-quê.

Doçura natimorta pela bruta poeira do dia.

Tuesday, January 22, 2008

Introducing the famous Mr. Escher

"I don't use drugs, my dreams are frightening enough."

Saturday, January 12, 2008

Poema curto

Quero um poema curto
para meus amigos cantarem
num luau, beira-mar, no leito
quero um poema curto
como uma canção de ninar
para o meu amor do futuro
lembar-se de mim
na rua, no mercado, no ônibus

Poema curto, nao me atraiçoes
Canta para mim, acaricia
meus cabelos molhados
beija meus olhos fechados
Poema curto, adormece no seio
poema curto, assobia no escuro da mata.

Friday, January 11, 2008

Última Hora

Silenciemos, amigos.
Nus, estamos sob o julgamento
da fria grande lua.
Nus, somos prisioneiros
apenas do deus-sol.
Sejamos serenos
à hora da execução
Que me deram direito
a uns goles de vinho
e estou entregue
à paz dos videntes cegos
dos amantes sem consolo
dos criminosos sem perdão.

Cecília Meireles, vidente, artista

Canção de alta noite


Alta noite, lua quieta,
muros frios, praia rasa.

Andar, andar, que um poeta
não necessita de casa.

Acaba-se a última porta.
O resto é o chão do abandono.

Um poeta, na noite morta,
não necessita de sono.

Andar...Perder o seu passo
na noite, também perdida.

Um poeta, à mercê do espaço,
nem necessita de vida.

Andar... - enquanto consente
Deus que seja a noite andada.

Porque o poeta, indiferente,
anda por andar - somente.
Não necessita de nada.

Autor: Cecília Meireles

Tuesday, January 08, 2008

Poema de Adélia Prado

O amor no éter

Há dentro de mim uma paisagem
entre meio-dia e duas horas da tarde.
Aves pernaltas, os bicos mergulhados na água,
entram e não neste lugar de memória,
uma lagoa rasa com caniço na margem.
Habito nele, quando os desejos do corpo,
a metafísica, exclamam:
como és bonito!
Quero escrever-te até encontrar
onde segregas tanto sentimento.
Pensas em mim, teu meio-riso secreto
atravessa mar e montanha,
me sobressalta em arrepios,
o amor sobre o natural.
O corpo é leve como a alma,
os minerais voam como borboletas.
Tudo deste lugar
entre meio-dia e duas horas da tarde.

Chet em arte - mais em http://www.chetbaker.net/

Sunday, January 06, 2008

Lamento

mundo dos machos da espécie
mundo de jogos e argumentos
mundo de juízes e homens sérios
mundo cão

mundo onde pisam nas putas depois do abuso
mundo de papéis vulgares e frases feitas
mundo dos machos
mundo político, mundo dos gráficos
mundo das tabelas, mundo do mercado

mundo cheio de olheiras
mundo que não dormiu
mundo que não amou
mundo que bebeu café demais
mundo que se entupiu de leis e cárceres

e vozes imponentes violando a verdade
verdade quase nua com fino véu
verdade de pudor de menina
verdade com voz sussurrada no vento
verdade com útero e sem baionetas

mundo de misérias e berros
mundo de mijos contra os muros pichados
mundo de desejos reprimidos
em favor da maior potência
e do inchaço da pança da intelligentsia

jogos de videogames de meninos
jogos de cartas, contratos sociais
mundo de fumo e dentes amarelos
mundo funcional dos machos reprimidos
mundo cão, mundo-pistola, mundo fálico

Wednesday, January 02, 2008

Afinal

Meus poemas são todos iguais
Tem os grilos, as flores e os rios
o vento e a floresta, a montanha e tudo mais
Já cansei deles, não dos seres que habitam lá
mas das odes que escrevo, das quais eles não precisam.
Também não vou ser útil e começar a escrever
sobre os sérios infortúnios do mundo
os atentados, os assassínios, as fomes e os canalhas
Porque eu não sei escrevê-los, só odiá-los.
No final não sei mais o que escrever.
Meu cansaço me dá dá uma dor na cervical.
Não obstante, ouço um som na noite, um som de breu.