inspirado após audição de "Black Crow", de Joni MitchellDesce do céu em rasante
Desce a rua radiante
Sobe num arranco de alegria
ao céu, a rua, em solidão brilhante.
Anda entre cogumelos
com a cabeça abaixada
para evitar os olhares - ah!
estes olhares tétricos amarelos
dos transeuntes, das donas de casa
que exigem seus direitos no mercado.
Sobe e desce presentindo os corpos
suas presenças vazias ou coloridas
- tanto faz. O olho do céu lhe guia.
Desenhando música e perpetrando ventanias
mesmo suaves, é de rapina, mas rebelde.
Recusa seu destino de bruto, de caçador
recusa-se a participar das touradas e dos jogos
esses sanguinolentos jogos de cartas - vejam como suam
e se incham seus papos de orgulho na disputa.
- O céu nublado lhe basta, rapina desgarrada.
Serpenteia, desce, empoleira-se nas árvores
nos jardins, nas praias - e vai-se
em busca daquilo outro, deste e daquela.
De sonhos verdes e pesadelos mascarados.
Ave calma, faz silêncio em sua gritaria.
Ave solitária, prevê destinos nas nuvens.
Ave à qual Deus, velho safado, negou o canto
mas ela se vinga tocando nos varais e nas cercas
a música do anseio no meio da noite,
palpitando de morte na vertigem plana do dia.