Saturday, May 16, 2009

Hoje escreverei o melhor poema da minha vida




Fui acoradada pelo lilás chuvoso da manhã
após uma noite afogada em nenúfares e ventos
Levantei-me decidida a retirar-me do pântano, levando minhas armas
deixado as pedras fumegantes, e cinzas fedidas
onde não tive, entretanto, direito ao pão.

Escreveram num muro do subúrbio:
"Vivos, somos presos, torturados, esquecidos
Mortos, só deixamos saudade."
Escreveram na esquina às 6 da manhã.

Hoje acordei decidida a calçar botas longas
e subir o rochedo, pois meus pés pisaram no cascalho
em em espinhos finíssimos brancos.
Encontrei arqueiros à distância,
ensinaram-me a arte da defesa.
Enquanto no fim da tarde de ontem
ouvi vozes de feiticeiras no crepúsculo que,
como os felinos, adormecem e banqueteiam-se sobre a solidão.
Suas vozes nos aconselham sobre a madrugada
e contra-feitiços que evitassem os gemidos
dos atropelados e mortos-vivos da estrada.

Levo minhas armas, carrego meu fumo,
minha garrafa azul, meu livro de memórias.
Com a espada, arranco páginas do livro.
Com a garrafa, adormeço e mancho páginas.
Com o fumo, escrevo novos poemas.
Fecho-o, e percebo que já é manhã,
entre mantras que a terra sussurra aos céus.

Hoje percebi que é chegado o dia
da noite em que escreverei meu melhor poema.
Poema sem adeuses, nem vãs esperanças
sem cantigas de roda, sem auspícios de cartas
sem grandes paixões nem lágrimas.
Será um poema sem vitórias de heróis
em campos abertos diante de muradas e passadiços.
Será um poema sem lamentos pelos perdedores.
Um poema sem carinhos e desejos de orquídeas negras,
sem alfazemas, sem vinho, sem estrelas.
O melhor poema, sem maldições, sem violações.

Será um poema que não foi jamais escrito.

2 comments:

Lucia said...

lindo cecília. adorei

Lucia said...

é verdade, esqueci da beatrix kiddo