Friday, January 01, 2010
Ano Novo
Hoje os anões deixaram
as meninas brincarem na rua.
Não choveu, mas não fez sol.
E ainda vejo da janela a jasmineira moribunda.
Não posso brincar na chuva.
Também não perderia tempo
expondo-me aos calores aborrecidos do sol
num verão endemoniado como um czar.
Mas não há mais livros nem discos
a serem ouvidos. E outros ainda riem
e se regozijam em manter-se acordados à noite.
E mostrarem suas olheiras para serem intelectuais.
Tenho medo, os gatos miam e os morcegos
estão por toda parte, não há esperança
É tempo de guerra, é tempo de carpideiras que uivam.
Sinto que morrerei em poucos dias.
Preciso reunir minhas últimas energias
para dar um concerto a toda gente,
mas meu violoncelo está desafinado
e as cravelhas não me obedecem.
Sinto dores nas costas e um anjo caído
falou-me ao ouvido. Era pálido e tinhas olhos de cão.
Dia primeiro de janeiro. A manhã era cristalina,
a tarde embaçou, a noite se tornou febre amordaçada.
Resta ouvir as antigas peças, e encontrar as muitas horas
perdidas entre as linhas da partitura, em dias de mormaço,
em noites de chuva sem propósitos, em sonhos mortos
de crianças que adoeceram e se tornaram feios adultos deformados.
*Pinturas de Séraphine de Senlis.
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4 comments:
lindo, como sempre. vocÊ já escreveu haikai?
Já escrevi sim. Aqui no blog, vẽ a série "Zen". Não são exatamente haikais com a métrica exata, mas só em japonês é possível obedecer a métrica pré-estabelecida. A gente reproduz o tamanho médio e o espírito dos haikais.
É uma boa fonte inspiradora de sua poesia :
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=2066
Grande Augusto dos Anjos... mas não, não temos muito em comum... o espírito é outro.
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