Tuesday, July 28, 2009

Felis




Não bebo água suja.

Durmo onde quiser e mantenho-me

impecável e elegante todo o tempo.

Não ando com multidões.


Não tenho medo de altura

nem da solidão. Durmo nos parapeitos

no alvorecer de dias brancos.

A noite é minha casa, busco o escuro

e os muros das ruas de madrugada.


Não gosto de todos. Observo-os

e reconheço as mãos dos ímpios

e dos brutos, e dos impuros.


Não me submeto.


Mantenho a fronte bem desenhada esquiva

e os olhos transparentes na espreita.

Mas tudo é calma e segurança

como os equilibristas de circo

e os silenciosos guerreiros zen.

Desperto do sono absoluto sem sonhos

para a ação imediata, corpo flexível,

olhos bem abertos e garras estendidas.


Antecipo-me ao medo e vôo na rapidez

do pensamento, antes que a presa corra,

antes que o impuro me lance água quente.

Entretanto, a sutileza do medo não subtrai meu prazer.


Estamos sóbrios e altivos na inteireza da vida,

mas elegantemente à parte,

sobre os muros e sacadas,

espreguiçando-nos nas camas,

e mantendo distância dos torpes.

Somos sempre belos e delicados.


Não bebo água suja.

Não tenho medo de altura.


Minha solidão é minha sombra.

Thursday, July 23, 2009

If I lived alone


picture by Clark Little



If I lived alone I would never drink any coffee
My life would be made up of rum and whiskey
Other intoxicating and addicting substances of course
'cause what is the funny thing about being sober at all?


Being sober is only a question of public health.


I need the rum and the whiskey - and a car
but they say cars and drinks are not made for each other...
Then I must resign (on account of the police) and withdraw with my bottle of rum - piece of shit actually
but sensitive to my pains and enchantments more than most of my so called friends


Tis is a poem made by a clown in pain - may there be anything funnier or more honourable?

The Unforgiven



music: "The Unfogiven", by Apocalyptica



It seems that all the sadness of this world has come
to visit me tonight - such a night, so cold but bright.


But I must hide, so that mother won't see me
and the cats will keep running, children, around the house.


All the tears came to see me, and all the memories,
all the pain dressed in delicate satin clothes, with samurai swords.
I can't be alone, 'cause mother will see me crying before them
memories dressed like nineteen century dandies


You see, I have this drink with me and these fake friends celebrating outside.
My brother rum, don't you let me down - my only hope, my light.
my fake light until sunshine, that's eternity trapped in a bottle
medicine of pirates, freedom and wind from the seas I could never see.


It seems all the dreadful, ridiculous, beautiful memories came to visit me
Hate is my bodyguard, like Cerberus the Dog, it prevents me from forgiving
the horrible Unforgiven, Unforgiveable People from Outside.

Saturday, July 18, 2009

Just like Dylan


Medusa, by Böcklin


Similar to a medusa I've been crowned by serpents
Yet I refuse to give way to demons like yourselves.
Pearls that cast a spell, they're angry but amused
I try to remember who is this she gave birth to.
Who shall be brave enough to give me a sword and a car?
So I will flee as soon as possible and nothing will be heard of me.


Bunch of hypocrites, an army of stinky caterpillars hiding.
You are always proud of your hidden faces - just for the record.
They say I must be patient... how long shall I wait? Like a cow
like a home lady, like an orphan child expecting future, like a fat sad cook?
Are you taking me for a peaceful nun, a dying dirty river, an old newsstand owner?
I'm on fire, a I'm a fire stone, I'm a star, a supernova. Tell a burning object to be patient.


Rain has come to embrace the earth and protect all animals inside love tents.
But I'm outside smoking dressed as burning medusa with a cold heart taken by revelation.
And my eyes are caught by the rainy butterflies which gather and spark
They're useless and I must listen to your mediocre and pathetic prayers.
That would turn me on, yes, castles made of mourning and chunks of human leftovers.


I finally end up on the walls of the city along with the urban cats
the feline silence fills my pride with looks of saints and eyebrows of Salomes.
I wish your eyes didn't notice me and your bat ears didn't hear my heartbeat,
I'm taking my leave, I'm carrying my instrument, I'm a cat on the edge of the road.

Predadores





Manhã. Eu dentro da tarde, e adentro a noite.

Você deveria ter vergonha, deveria se enxergar e crescer.
Qua diabo de amizade ridícula, que pensa que diz?
- Assim desperto no ninho de abutres, dando-lhes senhas.

De fato você só quer me observar os hábitos
como se observa um animal de pelagem estranha em seu habitat.
Você só quer notar os peculiares modos e os conhecimentos extraordinários
e depois repetirá a todos, e me exibirá neste teu zoológico,
com esgares e altas risadas, exibirá seu prêmio por agir como um rato
espiando na penumbra dos meus sorrisos e dos meus lamentos,
virá mostrar pornograficamente meus zelos a mim,
rindo por se achar tão esperto e ser capaz de finalmente me dar uma lição.


O que você aprendeu ontem eu sei desde nascida.
O que vem me mostrar com este discurso e palavrórios
não passa de brinquedos, de grandes descobertas e certezas de iniciantes.


Nada pode ser mais triste.
Você só vem a mim na minha paz para competir
e eu que havia esquecido da bela solidão,
da eternidade que repousa nela, viciei-me na companhia dos sórdidos.
Agora preciso sacar a espada constantemente
e não há mais lugar para a música e os passos de dança.
A todo momento minahs mãos estão sobre o cabo da espada.


Cansaço e desprezo são produtos da convivência.
Nunca houve um leito para a amizade e a irmandade emocionadas.
Vocês vêm a mim como ratos, tramando e falando, suas vozes e guinchos
perturbam o próprio equilíbrio dos sons e das notas.
Vêm a mim sempre competindo e esmiuçando e cavando buracos
e quebrando os vasos, sujando o chão, desfazendo a disposção dos véus.


Desapareçam, ou terei que disparar meu arco sobre seus ventres
para que jamais tenham a ousadia de caminhar sobre minha terra novamente.

Tuesday, July 14, 2009

Antonia


Quero que este seja um poema de flores
um poema de vaga-lumes, joaninhas e beija-flores.
Vaga-flores, beija-lumes, beijinhos.

O lótus nasce da lama.
Os anjos do artista nascem do barro.
Ela veio da terra, se escondendo nos galhos dos cajueiros,
ela veio brincando com as serpentes e comendo pedras.
Nas mãos, carrega armas feitas de flores.

Você não irá encontrá-la se for ao seu encontro
como um diabo malicioso e sedento,
ela tem olhos de águia e usa lanças de ar.
No alto da árvore, lhe observa em silêncio.

Ela é meu único lar neste mundo. Meu lar de flores,
meu lar de folhas e ventos no verão que acabou de chegar.
Que ela nunca parta, pois estarei na chuva.
Só me restará caminhar descalça nestas ruas sujas,
sem nome, nem camas macias, nem cartas que me escrevam.
Serei uma viajante muda nesta terra que os deuses abandonaram.
A andarilha sem beija-flores, nem luzes com cheiros de maçãs assadas.

Pássaros verdes cruzam a janela, e tenho que contar a ela.
Pela manhã, com o ouro da alvorada fria, nasce a sua voz na canção.
Pela madrugada, sua sombra está velando o sono das meninas.
O gato dorme aos seus pés reconhecendo asas de beija-flor.
Que ela nunca parta, que não me tomem os deuses
o vaga-lume, o beija-flor, e as cores de toda a sua arte.

Eu a amo. Amo suas folhas e flores,
sua copa e suas belas raízes, e os insetos que voejam seus frutos.

Da lama nasce o lótus,
do breu nasce a estrela, do barro nasce a árvore
mais frondosa que jamais pôde haver.

Monday, July 13, 2009

Prazer em conhecer


Você vem falar comigo com seu sinal de cabeça
e ser meu amigo e quem sabe um amante rápido,
vem com essa amizade com a qual nada posso fazer
- posso gastá-la? posso ter êxtases? posso rir? posso chorar sobre ela?
essa ligação fétida de mofo e hálitos de professoras reprimidas e morais.

Você não sabe onde está se metendo. Desligue as luzes e saia
pela escada à direita, dobre a rua e siga pela alameda, esqueça-me.

Sou uma adaga fabricada por um artesão de 127 anos
mergulhada em sangue e fumaça, e das chamas, veja o desenho
de anjos terríveis no cabo, de flores com caules longos e pétalas desgraçadas.
Sou uma dose de whiskey antigo que o pai escondeu mas as crianças acharam
- não vá abrir a garrafa, não vá tirar a pistola da gaveta, pode estar carregada.

Sou uma noite escura e fria na estrada quando você está perdido.
Você não sabe de nada, e vem me falar do tempo e dos costumes e da história.
Vem me ensinar sobre a Gênese e os gloriosos feitos da humanidade
e os valores das taxas e dos impostos e o impacto do novo pacote econômico.
Vem querendo ser inteligente - eu como sua cabeça em três segundos.
Sou uma serpente encravada de pedras, devoro seus olhos em três segundos.

Você é provavelmente muito fraco, não conseguirá me suportar - sou amarga
sou um copo de anis, sou uma performance de rock metálico satânico
Seus ouvidos vão doer, sua cabeça vai girar, sua boca vai arder, você vai chorar.
vai chorar, vai chorar, vai praguejar, e será tarde demais... irá dizer que não me entende
como se os absintos e as maldições de guerreiros moribundos
precisassem do seu entendimento medíocre de escolar que tira dez na prova.

Sou uma dose letal de força e vermelhos, sou os roxos das madrugadas desesperadas.
Sou o pentagrama de Aleister Crowley, sou o suicídio do poeta português,
sou o vento sobre o avião que perdeu o contato com a torre,
o poema do negro bluesman que chega em casa bêbado e cuja mulher o largou.
Sou o uivo dos cães na cidade onde está o motel
em que você se hospedou e nunca viu,
no mesmo quarto onde foi morta uma puta há três dias.

Sou a morte da borboleta e o nascimento de um grande felino
Sou uma alvorada insone mergulhada em vinho
Sou um lamento de um místico hindu e a mão do samurai sanguinário.

Vocês são muito fracos para mim, esqueçam-me.
Devoro-os todos em segundos, suas cabeças, seus olhos,
e uso o sangue para polir meus instrumentos musicais.

Thursday, July 09, 2009

Lanças


"A queda dos anjos rebeldes" - Bruegel, O Velho


Armas sacrossantas pela noite voaram.

Na manhã, corpos de ímpios estão banhados

pelo sol frágil do inverno e o ar é leve, de tristeza que se foi.

Apesar disso, há cheiro de sangue por toda a parte.

Anjos altos que são apenas asas postam-se nas esquinas

observando os restos de suas intervenções e o horror

escorrendo pelas faces dos hipócritas transeuntes

e dos jornaleiros apressados em espalhar as novas.



Os anjos postam-se imóveis e insensíveis aos prantos.

Seus finos olhos e suas gigantescas asas são vistas

por aqueles que ainda têm ousadia para olhar acima de suas sombras.



Lanças foram arremessadas com toda a força.

Vindas de todos os lados, aos furtivos, aos impuros,

aos falsos castos, aos donos do mundo que se protegiam

atrás de computadores e grandes estantes e mesas,

os anjos não quiseram compreender, saber e perdoar suas

infelizes humanidades escondidas nos copos de uísque e em cheques

falidos renegados pelo Banco Central, com herpes ou vícios sexuais.



Os anjos desferiram suas lanças no espaço

atravessaram carnes com espadas sibilantes. Não houve chamados.

Antes que estrelas pudessem intervir maternais

com suas piscadelas, frescores prateados,

um grande massacre incompreensível havia sido executado.



Os anjos não perdoam a humanidade.

A humanidade é o que recebe seus golpes laminados.



Os anjos estão nas ruas, brancos, gelados, sombrios

seus olhos enormes sem pupilas, suas asas, impassíveis,

impiedosos e insensíveis a orações, mas alertas.

Suas lanças e espadas descansam ao lado de suas presenças

para as quais nem as crianças ousam olhar.

Os homens sujos ou apenas indignos, líderes

de terríveis bandos de lobos, caíram numa noite.

Todos sucumbiram na lama pelas lanças dos anjos enormes.



As legiões vieram trazer suas justiças enlouquecedoras.

Monday, July 06, 2009

2. Oboé




mergulha na voluptuosidade
típica dos místicos, dos santos
voluptuosidade do espírito vidente
espiritualidade visionária
íntimo contorno do porvir

Instrumentos - 1. Trompa



um animal da floresta escura

cheio de saudade envenenado

arpão de caça enfeitiçado

metal num um coração abandonado