Tuesday, July 28, 2009

Felis




Não bebo água suja.

Durmo onde quiser e mantenho-me

impecável e elegante todo o tempo.

Não ando com multidões.


Não tenho medo de altura

nem da solidão. Durmo nos parapeitos

no alvorecer de dias brancos.

A noite é minha casa, busco o escuro

e os muros das ruas de madrugada.


Não gosto de todos. Observo-os

e reconheço as mãos dos ímpios

e dos brutos, e dos impuros.


Não me submeto.


Mantenho a fronte bem desenhada esquiva

e os olhos transparentes na espreita.

Mas tudo é calma e segurança

como os equilibristas de circo

e os silenciosos guerreiros zen.

Desperto do sono absoluto sem sonhos

para a ação imediata, corpo flexível,

olhos bem abertos e garras estendidas.


Antecipo-me ao medo e vôo na rapidez

do pensamento, antes que a presa corra,

antes que o impuro me lance água quente.

Entretanto, a sutileza do medo não subtrai meu prazer.


Estamos sóbrios e altivos na inteireza da vida,

mas elegantemente à parte,

sobre os muros e sacadas,

espreguiçando-nos nas camas,

e mantendo distância dos torpes.

Somos sempre belos e delicados.


Não bebo água suja.

Não tenho medo de altura.


Minha solidão é minha sombra.

2 comments:

Anonymous said...

Mandei esse poema para minha irmãzinha que mora em Brasília. Ela adora os gatos dela e adora poesia. Muito bom, Cecília!

Bb, tou sofrendo pra conseguir comentar no Blasé.. só rola depois de muita tentativa... mas, tou conseguindo.

Beijocas!

Cecil said...

De fato, é um poema sobre felinos mas também e confessional. Identifico-me mais com eles do que com a maioria das pessoas... ;)