Monday, December 26, 2011

Adeus, professores



Os ratos da academia estão ativos
Os vermes da biblioteca sempre ensandecidos entre vírgulas e parênteses.

Vão à merda todos os bons moços da Universidade.
Alma Mater, grande puta do Estado,
irmã da imensa ladra que é a soberba dos místicos.

Sempre as mesmas orações,
sempre as mesmas desculpas,
sempre o mesmo olhar esnobe de piedade cristã.

Falta de respirações ofegantes de vida e morte,
ausência de ar e verde e vermelho,
pobreza de histórias que não tenham sido contadas em mais de dez volumes.

Aqui me despeço de seus olhares e posturas imensas,
de nossos medos infinitos, de nossa obediência e respeito clássicos.
Aqui convido-os, pela última vez, à dança.

Antes que chamem a polícia para lançarem-me à cela escura,
acuso-os mas perdôo sua estúpida auto-condescendência,
sua lúcida parvoíce, sua necessidade de poesia e sua pequenez humana.
Compreendo sua opacidade de vista e seu astigmatismo forçado.

Que me receba a luz, que me saúde a música,
que me acaricie o ar, que me perdoe a liberdade.






Wednesday, December 14, 2011

O anjo caído


Nasci para cometer grandes pecados
nos bares e bordéis, nas ruas sujas pintar quadros aterrorizantes.
Nasci para ser excomungada da Igreja.

Nasci com o signo do escorpião na nuca.
Nasci para cometer grandes crimes.
Nasci para ser procurada pela polícia.

Vim a este mundo para ser condenada em tribunais de homens respeitáveis.
Vim para envergonhar suas vestes negras de juristas
com palavras de baixo calão, pensamentos obscenos
e assim manchar o reino com  minha gargalhada pútrida.

Mas ao invés de seguir o Destino, deus alegre, 
fujo, e corro como lebre espantada pela sombra repentina.
Entre bois e ovelhas pasta o felino,
entre rendas e bordados esconde-se o ronin.

Por isso meu corpo dói e tenho insônia.
Sinto-me envelhecer como murcha a orquídea sob o sol de verão.

Nasci para ser a depravação do país.
Vim para disseminar a discórdia e a luxúria.
Sou o vício enclausurado pela lei e pela instrução.
Sou um demônio aprisionado no bom senso e na finura.


Sunday, December 04, 2011

Sentença



O que se embebeda em lágrimas
está estragado.
O que chafurda em dor
está condenado.

Nenhuma alegria pode brotar,
nenhum riso pode dançar nas flores
numa manhã nascida de uma noite de horror.

O enforcado
está morto.
A borboleta prematura
morre de sede.

Luau




Quero causar a dor que me causam em dobro.
Mas como um gato, espreito entre sombras e deslizo
acovardada pelo som dos homens e encantada pela lua.

Não pretendo lhe enviar esta carta no tempo futuro,
pois o tempo se alongará demais e o mundo empalidecerá.

Hoje é minha hora, o Agora se abre como asas de gaivota
competindo com os pescadores de Piratininga.

Tenho ânsias e choques de melancolia
e preciso da salvação que mora na cortiça de uma garrafa de vinho.
Sempre acreditei que Merlot fosse uma boa cepa e eu estava certa.

Não há ninguém no fim do corredor e isto também é uma ilusão.
A chuva trouxe um farfalhar prateados às folhas
de um verão incipiente, e este som alimenta estrelas.

Mas quão distantes elas estão de mim e como lamento.
E meu canto que possuía pernas longas e força para saltar
agora se esconde esquálido sob os bancos.

Uma rocha que confronta a ressaca oceânica.
Uma flecha lançada para o vazio.

Friday, December 02, 2011

O retorno



Na chuva, todo pedestre é desamparado.
Na noite, todos os felinos são abandonados.
Mas eis que se postam altivos sobre os muros.

Quem será o homem que irei abraçar nas trevas
não importa o que haja no mundo?
Que mão será esta que segurarei no gelo?

Isto come meu coração com a rapidez da lacraia no chão
e com a voracidade do touro faminto e abusado na arena cruel.

Um desastre ao som de farfalhar de asas de morcegos.
Uma lua triste e mórbida como uma velha puta fumante.

Em noites como esta, aqueles que não têm amor cometem crimes hediondos.
Em noites como esta, os que amam e não são amados deitam-se nos rios.

Hoje as crianças sensíveis choram sob lençóis e temem a ventania.
Hoje bêbados escrevem cartas e dormem abraçados às suas garrafas de gim.
Hoje mães angustiadas fazem promessas e ninam bonecos nos quartos de seus filhos desaparecidos.

A calçada está molhada e vejo olhos negros nas copas das árvores.
O fim comparece nas cartas, nos búzios, nas linhas magras de nossas mãos assustadas.


Thursday, December 01, 2011

Reencontro com Felipe

Vai-me devorando a serpente
Vai varrendo a tempestade de gerações
o dragão silencioso do destino.

Como se uma barca apressada
carregasse o vento aterrador da beleza.
E então naufragamos.

Não temo a morte.
Faço do luxo meu berçário antigo
e da memória um estábulo onde corre a ventania.

Uma música nasce na alta noite
uma luz nasce no fundo do brejo
fogo-fátuo e estrela, e seu pai é o inevitável oceano.

Beijarei tua boca para sempre.
E sonharei no leito do teu corpo durante a noite
da existência triste e dura, do abandono ao qual Deus nos condenou.



Tuesday, November 29, 2011

Cançoneta vampiresca



Devora-me de dentro para fora
a Esfinge do Eterno Retorno.

Pica-me a pele descamada de sol
o lastro do escorpião.

Agora sei que não há mais caminhos no escuro
acabou-se o atalho, findaram as bifurcações.

O amor é a morte antecipada e vestida de cetim e champanha.
Não há máscara ou perfume, mas o abismo e o céu diante de si.

O amor, longe do que pensam, é racional.
é frio, é ardente, inócuo, vermelho e transparente.
É a chama viva despedaçando a carne do pecador.

É eterno, é vampiresco: não morrerá
mesmo com punhal, talvez uma estaca no coração.

Devora-me eternamente o fogo infernal de cem eras.
Devora-me o luxo de morrer de amores.


Sunday, November 20, 2011

Memória reencontrada



Antes da palavra a respiração represada
Antes do encontro o coração queimando o corpo em
refluxos de fogo desconhecidos e imprevistos

O corpo solto e retesado
é dança
A alma alheada e espantada
é teatro
O toque ardente e sem intenção
é amor

Canto entre eras, após cataclismas
Entre memórias de batalhas em campos áridos
entre poemas em cemitérios, escritos na poeira
com os dedos frios sobre as lápides.

Jogos de azar, jogos de reis e políticos
isto é o amor, e nada mais há que ser contado
em canções doces, em tons maiores, em fontes de água e mármore.

O amor é uma rede trançada por encantamentos
de bruxas vestidas de vento, nuas e enlouquecidas de luto.

Sunday, July 31, 2011

Canção I



No teu coração e no teu verso, um desejo.
Nos teus passos de guerreiro, uma memória triste.
Na tua lâmina, uma desesperança e uma canção.

O amanhecer coleta notas extras e flores desperdiçadas.
A noite recebe corpos mutilados pela Deusa da Vingança.

Um pequeno piano, teclas de metal enferrujado
e cantos de anjos infantes mortos e gatos desaparecidos,
pedras que amantes deixaram na praia durante a madrugada.

Sorte que desenho, caminho escrito nas cartas
de videntes de olhos deformados, música de pedintes
que pagamos com moedas de um real em potes de sorvetes,
o amor é um luxo como uma cantora de voz negra e
olhos claros, uma volúpia como a visão de Diana nua no rio.

Monday, July 04, 2011

Melancholia




O êxtase nos teus olhos verdes
encontraram o oceano e do píer
meu corpo se lançou às águas geladas do desejo
insatisfeito, da saudade, no inverno sem música.

Nos teus cabelos louros meus dedos desenharam
uma canção de rua, uma noite numa praia, um drink exótico,
e o vazio do terceiro dia em que pisaste nas minhas partituras.

Como ar necessito de noite embalada em ragtimes cubanos,
de paixão travestida em mantos negros de cocotas macabras,
do êxtase de um beijo na escuridão de uma harmonia entre contralto e piano.

Mas o mar é implacável e o inverno juiz demoníaco na terra negra da morte.
A luz dança na manhã em que esperei na rua por uma resposta
e a chuva hesitou em cair, tentando responder às suas próprias perguntas.
De repente a Natureza tomou consciência de si e revoltou-se
na saudade, na ausência, no espanto, na excessiva claridade.

O amor tornou-se uma fantasia de crianças, matrioshkas coloridas.
Levamos como suvenires na mala e colocamos na janela,
mas o silêncio continua após o afogamento, após o prazer extremo,
após a fuga atonal e a noite fria entre garrafas de vodka na calçada.

Não se retorna à ingenuidade, como uma virgem roubada
na floresta por um deus egoísta.
Mas a música permanece companheira, de bar, de manhãs, de madrugadas tristes.
de tardes sonolentas, a perda do argumento, o estupor da ignorância,
antes do parto e após o último suspiro, os olhos cegos, o corpo no mar.

Saturday, June 18, 2011

Vocês, os larápios




Cuspiram em minha porta
e escarraram nas minhas pegadas.

Depois de sorrirem como policiais na esquina,
entraram em meus aposentos pela janela
e macularam meus lençóis e toalhas de mesa.

Surrupiaram meus livros e copiaram meus poemas,
roubaram minha capa de chuva.

Falaram mal de minha ascendência nas tabernas imundas
e caçoaram de minhas mãos finas e botas de salto.

Chacoalharam a jaula com meu gato dentro.
Puseram-no exposto ao frio à beira do rio.

Elevaram a voz para que minha voz não fosse ouvida,
tal como João Batista proferindo verdades sujas no poço escuro.

Ofenderam meus ancestrais e duvidaram de minha nobreza,
viraram-me as costas e, quando virei a minha, vieram à minha caça.

Vocês não são benvindos mais,
nunca nem em qualquer tempo futuro ou passado.
Meu desprezo é retroativo,
minha armadura é justa, cega e imbatível.

Nada há que possam fazer. Nenhum perdão aos ímpios,
vocês não são mais benvindos.

Sunday, June 12, 2011

Da natureza e das constituições


Questionei-me sobre a injustiça e caos em tudo o que há
e uma música, e seu silencioso instrumentista
ensinaram-me uma lição sobre a justiça que permeia
toda a existência, e sua calma sabedoria.

A rocha tem a constituição cega dos minerais
e o brilho contido em cada minúscula partícula de cristal.
O minério é a reunião bruta das essências brilhantes,
e o mistério de sua força é a delicadeza de bilhões de espíritos.

As folhas das árvores vivem na mesma natureza
das asas de borboleta e caudas de libélula, em suas vidas magras e coloridas
de puro espírito e movimento, formando letras e equações no ar.

Por isso não nos encontramos, nos desejamos, lutamos, matamos.
As naturezas devem ser respeitadas, levemente separadas
na grande república da matéria e das vontades,
sob o cetro da dinastia do tempo.

Para alcançar o outro, há espaço e silêncio.
Para estender as mãos, há uma estrada vazia e chuva.
Para haver calor e sorriso de contentamento, a natureza vive a fome.

Em cada constituição há uma lição e uma epopéia.
Nas pedras e ventanias em cada pêlo de animal caído,
em gotas de sangue dos que morrem nas ruas e clareiras,
nas lágrimas das mães que choram por seus filhos.

Há a natureza das pedras, há a natureza do mar, há a natureza do fogo,
a natureza das frutas, dos corpos opulentos de reis e almas esticadas de poetas,
a natureza do pão, dos mestres e dos pedintes, há a fome e a exuberância,
existe a natureza da dor constante e sua interrupção,
da morte em vida e da esperança na morte, no alívio do além.
Há que silenciar e entender para viver neste mundo, entre sereias e abutres.

Friday, April 08, 2011

Do perigo e seus humores



Diziam os antigos românticos
que os poetas eram nascidos das tempestades.

Sei por que flerto com o perigo.
Sei como prefiro o oceano noturno às flores do campo.

Não devo me lamentar se algum desses homens com quem ando
se mostrarem piratas desumanos ou anjos caídos carregando foices infernais.

Andei com Jesse James e seu bando, jantei com Lampião e seus devotos.
Flerto com as estrelas refletidas no esgoto e com a música do violinista mendicante.

Liberdade, amada mão, mas insidiosa bruxa que cozinha vapores intoxicantes
Sem enganos, sem política e sem moral, apenas uma canção e uma palheta.

Flerto com o erro, com o abismo, com o silêncio dos becos,
e assisto a danças macabras enquanto o amor se contorce sob a lua.

Sunday, April 03, 2011

Cântico MCXXV




Num espaço de água e ar
está a alma enclausurada.

Quando olho para a rua suja
vejo o tempo que se deitou nela
e esqueceu-se da morte.
Agora é tarde para recuperar-se
da velhice do próprio tempo.

Mas nesta mesma rua escura e triste
tenho a visita breve de um desconhecido.
O coração revolve-se dentro da poeira dos dias,
e lava-se da lama das noites em pântanos de pesadelo.

Eu que nunca soube dizer sim.
Eu, que nunca soube desfazer-me do medo e
do medo da tristeza, mesmo entre lírios e lilases.
Agora corro para estar na hora exata em que chegas
e olhar-te de soslaio a olhar-me como quem também teme.

Nem respiro, para que o momento não se vá.
Pois é sabido que o tempo é o fôlego
que inspiramos e que deixamos escapar.
O tempo futuro é o ar da tua boca que beijarei,
e o passado é o estertor do gozo que teremos
numa noite sem lua numa clareira abandonada pelo próprio Deus.

Monday, March 07, 2011

Cântico MCXXIII




Calo para que não me roubem pequenezas.
Bruxas e larápios sodomizados
perturbaram-me a vista
e surrupiaram pequenas jóias.
Criam eles terem
tomado grandes fortunas
e desejavam matar-me à míngua.

Mas são fracos e tolos,
pois sou protegida por deuses cruéis.

Pequenas pérolas distribuo
às aves enjauladas nos mercados,
e troco por artigos de confeitaria
durante o chá da tarde.

Minhas grandes fortunas,
os sonhos envidraçados e esculpidos
por longos anos de sofrimento nas masmorras
no tempo e pelas intempéries,
escondo em elegantes caixas de mármore
guardadas no profundo Oceano
e quando algum pequeno bandido a ataca
é repelido por um enorme tsunami e ventos
que recitam versos bíblicos cheios de ira pentateuca.

Nada abrirá os cofres à sombra dos olímpicos marinhos.
Sou protegida por deuses cruéis.

Wednesday, January 12, 2011

Persas




Poeira e mesmo assim armadura
poema e ainda assim lança e espada

Quando canto não carrego penas e tintas
Não verão meus versos os homens na feira
mas sentirão os rastros do vento de minha cavalaria.

E quando despertarem, terão suas camas inundadas
e suas crianças desaparecidas na névoa,
suas pitonisas fumando nas alcovas
com os olhos prostrados nos cantos de aranhas e livros.

Quando despertarem seus governos serão interinos
e suas moedas desfeitas em cinzas.
Seu fogo será feito de vaga-lumes
e contarão apenas com a lua, mãe de todos os sonâmbulos
e irmã dos anoréxicos e lívidos de medo.

Meus braços são de anêmonas
minhas pernas de areia
meus cabelos de lâminas de neve
e meus olhos de palavras do livro sagrado.